Escritores discutem relação entre ficção e a história contemporânea na Flip 2012
A mesa "Ficção e história", que ocorreu em Paraty nesta quinta (5) durante a Flip 2012, contou com a participação do escritor espanhol Javier Cercas e do colombiano Juan Gabriel Vásquez, e mediação do jornalista Ángel Gurria-Quintana. Nela, os escritores discutiram a intercessão entre literatura e acontecimentos reais contemporâneos.
Vásquez abriu a mesa com a leitura de um trecho de "A História Secreta de Costaguana", em que o escritor, biógrafo de Joseph Conrad, romanceia a história da república sul-americana fictícia de Costaguana, inventada pelo inglês no livro "Nostromo". Vásquez explicou que relaciona a história de Costaguana com a história de seu país, a Colômbia, especialmente com a perda de uma região para a construção do Canal do Panamá. "Escrevi para preencher um buraco deixado por Conrad", afirmou.
Cercas agradeceu à organização da Flip a possibilidade de se reunir com Vásquez, com quem tem muitas questões em comum, e apresentou seu livro mais recente: "Anatomia de um Instante". "É um livro em que a ficção não é ficção, o que também não significa que não seja um romance, mas todos os personagens são reais. É um livro que fala sobre a conquista da democracia no meu país depois de 40 anos de ditadura de Franco," disse. A obra trata de uma tentativa de golpe de estado ocorrida na Espanha em 1981, em que um grupo de militares invadiu a câmara dos deputados do país.
Vásquez apontou que só se deve escrever um romance sobre coisas que não podem ser contadas de outras formas, como pelo jornalismo. Ele falou que o romance deve mostrar outro lado dos fatos e mostrar as coisas que poderiam acontecer, não o que aconteceu. "Eu distorço os fatos conhecidos. E às vezes me encrenco por isso. Mas eu acho que eu tenho que criar um território novo, que dá ao leitor algo que ele só poderia encontrar no meu livro", disse.
Já o espanhol contou que não conseguia seguir em frente com "Anatomia de um Instante" até ler um artigo do italiano Umberto Eco afirmando que, segundo uma pesquisa publicada no Reino Unido, 25% dos ingleses pensam que Winston Churchill é um personagem de ficção. Só aí entendeu que o episódio que queria abordar em seu livro já era uma grande ficção coletiva. "A missão de um escritor é descobrir as regras que o próprio livro exige. E essas regras têm que ser diferentes a cada livro".
Ainda falando sobre este assunto, Cercas apontou que os escritores precisam fazer perguntas que não foram feitas, mostrar outros aspectos da realidade. "Por isso, um escritor não pode ser um bom político e um político não pode ser um bom romancista. Porque o político vê um problema e tenta resolver. E o romancista cria um problema onde ninguém mais vê", disse.
Quando Gurria-Quintana fazia uma pergunta sobre os autores com quem Vásquez é comparado, o colombiano interrompeu, rindo, "É a pergunta de um milhão de dólares, eu chamo de a pergunta Gabriel García Márquez". "Já respondi essa pergunta tantas vezes que resolvi escrever um artigo de 15 páginas, mas os jornalistas continuam perguntando. García Márquez assombra todos os escritores colombianos, mas ele não nos ameaça, ele abriu portas", disse. Ele também explicou que sua literatura tenta mostrar que a história colombiana não tem nada de realismo fantástico, é na verdade muito sangrenta.
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