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Leia trecho de "Tudo ou Nada"

Luiz Eduardo Soares

15/06/2012 07h00

Trecho de "Tudo ou Nada"

Uma tonelada de cocaína

Albino está recostado na poltrona de um pequeno avião, contemplando a paisagem. Ele voa entre montanhas magníficas na cordilheira dos Andes, interior da Colômbia, bem abaixo dos picos mais elevados.

Saiu do Rio, onde se encontrou com Lukas e recrutou DaCosta, passou por São Paulo, de lá foi à Cidade do México, a Caracas, visitou algumas ilhas do Caribe e seguiu para Bogotá, de onde tomou o voo para Pasto. É assim que funciona.

O comandante pede que os poucos passageiros apertem o cinto e se preparem para a aterrissagem. Nesse momento, o avião acelera e sobe, vertiginosamente, até alcançar a altura de uma alça de pedra negra, que se projeta sobre o abismo: é o aeroporto que serve à cidade de Pasto. O avião oscila, identifica a direção dos ventos, circunda a pista, escolhe a direção mais apropriada, distancia-se para encontrar a inclinação adequada e mergulha para o pouso que pareceria improvável.

Albino é recebido na pista, senta-se na poltrona de trás de uma van japonesa e é conduzido serra acima, em tortuosa velocidade, cruzando com uma farta coleção de carros que poderiam, perfeitamente, fazer figuração em um filme dos anos 1970. A frota se arrasta por milagre nas pinguelas estreitas.

Pasto tem o aspecto de um santuário maia, à sombra do vulcão Galeras, que se supunha extinto até calcinar uma expedição científica, há algumas décadas.

No moderno hotel internacional, Albino é recepcionado por um funcionário dos anfitriões e se desloca pelo lobby com a mesma familiaridade que demonstra ao saudar, na sala reservada, os homens que o aguardam. Desse encontro resultará o acordo inicial com base no qual será, finalmente, realizada, em algum ponto remoto, no interior da Colômbia, a reunião com o comando do cartel de Cáli.

Albino será conduzido serra abaixo, até o aeroporto, onde um avião o levará a um campo de pouso, em meio à floresta.

Dois dias depois, participará das negociações de cúpula.

O encontro de cúpula é breve e deixa um saldo de poucas palavras, uma tonelada de cocaína pura e 22 milhões de libras. A tarefa de Albino será, como sempre, fazer a carga chegar a seu destino, estocá-la, distribuí-la entre negociantes europeus atacadistas — que revenderão aos varejistas —, receber o pagamento e ressarcir os fornecedores colombianos, que controlam a produção e se responsabilizam pela primeira etapa do transporte, que é aérea e leva o produto da selva ao oceano, onde é recolhido por embarcações comandadas pelo grupo de Albino. O preço final do pó pago pelos consumidores nas ruas da Europa e dos Estados Unidos corresponde a um valor muito superior aos custos envolvidos na produção, na logística do transporte, na estocagem e na distribuição, porque a droga que chega a quem cheira a cocaína tem um grau de pureza muito inferior.

***

Os nove anfitriões reunidos numa sala rústica, em localidade inóspita e ignorada, em meio à selva escura, levantam-se para cumprimentar Albino sem excesso de camaradagem. Voltam a sentar-se. Albino senta-se entre eles.

Albino - Uma tonelada para a Inglaterra. Preciso de entrega imediata para não perdermos a temporada da travessia do Atlântico, que termina em julho, como vocês sabem. Pago oito milhões de libras até fevereiro do ano que vem. Oito mil libras o quilo. Isso dá bem mais do que doze mil dólares o quilo.

Primeiro fornecedor - Uma tonelada de cocaína pura vale seis vezes mais, no varejo. Nós entregamos o produto com quase 100% de pureza. Os varejistas multiplicam a quantidade por seis. A pureza cai para 15%. Os caras ganhariam seis vezes mais do que nós. O preço
Tudo ou nada 17 praticado na rua, se não houvesse nenhum outro custo, seria 600% maior do que o valor que você quer nos pagar.

Albino - Espera aí. As coisas não são assim. Nos oito milhões de libras já embuti boa parte dos ganhos. Todos nós sabemos que a produção de um quilo de coca sai pra vocês por mil e quinhentos dólares. Menos de mil libras.

Primeiro Fornecedor - Nós sabemos que as coisas não são assim. São piores: você e seu grupo vendem o quilo puro para atacadistas ingleses por vinte ou 22 mil libras, mais que trinta mil dólares. Eles vão vender por trinta mil libras para o grupo que distribui a coca no varejo, o que dá uns 45 mil dólares. Esse pessoal da ponta pode até manter o preço de trinta mil libras o quilo, porque tira o lucro reduzindo a pureza em até seis vezes. Nós somos homens de negócio como você. Sabemos fazer contas. Você quer que a gente aceite receber oito milhões de libras pela tonelada que você vai vender a 22 milhões de libras? E que depois vai virar trinta milhões de libras, no mínimo? E que no varejo vai virar muito mais? Sua proposta é indecente.

Albino - E os custos? E os riscos?

Segundo fornecedor - Você acha que nós não temos custos, além dos mil e quinhentos dólares que você mencionou? Nem riscos?

Primeiro fornecedor - Você acha que liberar a pista do exército para nosso avião decolar carregado do produto sai de graça?

Segundo fornecedor - Cento e cinquenta mil dólares por decolagem.

Primeiro fornecedor - Sem contar os riscos e as perdas de produto e pessoal. Só temos autorização para usar a pista uma vez por semana. Se o esquema falha, perdemos oportunidades e pode haver apreensões. De vez em quando os militares apreendem um lote da droga para inflacionar a propina.

Segundo fornecedor - Fora os problemas do clima na selva. As tempestades, tudo isso.

Albino - Por que é que a gente tem de repetir essa discussão todas as vezes?

Terceiro fornecedor - Doze milhões de libras. Dez a menos do que vocês vão ganhar.

Albino - Nós não vamos ganhar 22 milhões de libras. Essa quantia vai pagar o transporte e a entrega, em segurança, ao atacadista, na Inglaterra, que depois vai vender ao varejista. Nosso lucro é muito menor. Mas, tudo bem, dessa vez vou ceder. Aumento em 25% minha proposta: dez milhões de libras. Dez mil libras por quilo. Vamos fechar isso de uma vez. Se a coca mofar na selva todos nós perdemos. Estamos no limite dos prazos.

Quarto fornecedor - Dez milhões estão longe do razoável, mas o tempo está correndo contra todos nós. O impasse não interessa a ninguém. Não vamos colocar em risco nossa antiga parceria. A confiança mútua que a gente construiu não se alcança de um dia pro outro. Negócio fechado. Eu entro com duzentos quilos.

Segundo fornecedor - Cem quilos.

Terceiro fornecedor - Quatrocentos.

Primeiro fornecedor - Trezentos.


"Tudo ou Nada"
Autor:
Luiz Eduardo Soares
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 352 páginas
Preço: R$ 34,90