No Brasil, desenhista de "Elektra: Assassina" critica adaptação para o cinema e diz preferir trabalhar fora do radar
Desenhista de clássicos das HQs como "Elektra: Assassina" e "Demolidor: Amor e Guerra", o norte-americano Bill Sienkiewicz é um dos principais destaques do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), que acontece em Belo Horizonte até o próximo domingo.
Mesmo há muitos anos sem lançar nenhum grande trabalho inédito, Sienkiewicz - que também assina adaptações de obras literárias como "Moby Dick", de Herman Melville, e "Duna", de Frank Herbert - foi tratado com entusiasmo nesta sexta-feira (11) pelo público do evento, que tirou do baú obras antigas do ilustrador para conseguir um desejado autógrafo. O que é compreensível: a sua mistura de técnicas artísticas incomuns para os quadrinhos influenciou e ainda influencia novas gerações de desenhistas e artistas plásticos.
“O fato de estar aqui, de ser recebido assim, me inspira a continuar produzindo e querer continuar a ser publicado no Brasil. Tenho feito muitos trabalhos visuais para estúdios de cinema e gravadoras, entre outros. Mas quanto mais eu faço esses trabalhos, mais eu percebo o quanto eu amo os quadrinhos”, confessa o artista, que diz estar negociando algumas de suas obras mais autorais com editoras brasileiras.
De concreto, Sienkiewicz já produziu um material inédito para uma edição especial produzida no próprio FIQ. “Na quinta-feira fiz uma capa para uma edição limitada da (antologia de quadrinhos) 'Graffiti 76'. Foi muito bom produzir arte ao vivo novamente. Keith Richards diz que, no momento em que ele entra no palco, ele tem um pouco de paz e tranquilidade, porque esquece dos problemas e faz aquilo que realmente gosta, música. Comigo é exatamente igual.”
Keith Richards diz que, no momento em que entra no palco, tem um pouco de paz e tranquilidade, porque esquece dos problemas e faz aquilo que realmente gosta, música. Comigo é exatamente igual
Assim como o guitarrista dos Rolling Stones na música, nos quadrinhos, o desenhista de 52 anos também acumula parceiros de peso. Frank Miller, roteirista de "Sin City" e "300 de Esparta", é considerado como um irmão. “A gente gosta demais um do outro. Eu me lembro que, quando estávamos trabalhando em 'Elektra: Assassina', eu olhava para a decoração no teto do seu apartamento e gargalhava. A gente bebia, fumava e ria muito ao olhar para o teto”, ele recorda. “Nós queríamos testar os limites do nosso trabalho do jeito mais divertido possível. A gente se adorava, ainda se adora. Eu gostaria muito de trabalhar com ele de novo, assim que for possível”.
Já a relação com Alan Moore, roteirista de "Watchmen", foi mais conturbada. Os dois contribuíram para uma história de viés político no álbum "Brought to Light", inédita no Brasil, e para a inacabada série "Big Numbers", sobre fractais e a teoria do caos. “O que aconteceu para que 'Big Numbers' falhasse foi o caos. Houve a morte dos meus pais e do fim do meu namoro de cinco anos. Comecei a demorar muito tempo para terminar uma página, fazia uma ou duas páginas por semana”, conta. “Eu também usava modelos vivos para a série e aconteceu de um deles morrer e outra, a principal personagem, se casou e mudou para a Alemanha. Diversos problemas, enfim, ocorreram. O fato é que não há um dia em que eu não pense sobre 'Big Numbers', em ligar para Alan e tentar concluir esta série. Eu tenho até hoje o roteiro e ele é realmente muito bom.”
Bill Sienkiewicz autografa exemplares de seus quadrinhos para fãs em Belo Horizonte
O quadrinista também compartilha com Moore uma declarada resistência às adaptações de seus personagens de quadrinhos mais queridos - Demolidor e Elektra - nos cinemas. Mesmo com a ida deles para as telas, Sienkiewicz preferiu não assistir aos filmes. “Acho que Ben Affleck e Jennifer Garner são atores interessantes, mas simplesmente não encaixam no papel. Elektra é um personagem muito trágico e tinha que ser desenvolvido de um modo muito mais psicológico. Comparar minha visão com a visão dos filmes é como comparar o filme do Batman de Cristopher Nolan com o de Joel Schumacher. Talvez tivesse funcionado se tivessem pego atores desconhecidos para os papéis, mais próximos da visão dos quadrinhos”, conclui.
“Acho que Ben Affleck e Jennifer Garner são atores interessantes, mas não encaixam no papel. Elektra é um personagem muito trágico e tinha que ser desenvolvido de modo muito mais psicológico. Comparar minha visão com a visão dos filmes é como comparar o filme do Batman de Cristopher Nolan com o de Joel Schumacher.
Distante das grandes editoras de quadrinhos norte-americanos há um tempo, ele admite que sempre preferiu ficar fora do radar do policiamento criativo dos editores e leitores. “Com personagens desconhecidos do público e que estejam vendendo mal, você poder fazer experiências. Se der errado, tudo bem. Se der certo, é bom para todo mundo. Mas aí você fica novamente ao alcance do radar. E aí recomeça o policiamento, tentando desfazer justamente aquilo que fez aqueles personagens crescerem. Foi o que aconteceu com meu trabalho na revista 'Novos Mutantes'”, explica.
Sienkiewicz tem, atualmente, dois novos projetos em andamento. O primeiro é um faroeste que combina elementos do quadrinho nacional e do digital pela produtora Made Fire, que ele define como uma versão de "Apocalypse Now" passada no Velho Oeste, e que está sendo preparada por ele e pelos ilustradores Dave Gibbons e Liam Sharp. O segundo é um livro infantil "que também é para adultos": uma história à moda de "A Revolução dos Bichos" mas com alienígenas e um toque do diretor de cinema David Lynch.
Neste sábado, às 16h, Bill Sienkiewicz participa de um bate-papo no FIQ com o jornalista de quadrinhos Sidney Gusman. Confira aqui a programação completa do evento.
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