"Diante do que está ocorrendo no mundo, acho difícil não falar de política", diz o quadrinista Peter Kuper, convidado do Rio Comicon
Aos dez anos de idade, o quadrinista norte-americano Peter Kuper passou um ano em Israel com seus pais, onde teve de aprender outro idioma e se adaptar a uma cultura bem diferente da dele. Em 2006, ele decidiu fazer o mesmo com sua filha, na época com nove anos, levando-a para viver um período em Oaxaca, no México, experiência que inclusive rendeu a Kuper uma HQ. "Visitar outras partes do mundo expandiu minha visão, então não sou centrista em relação aos EUA", conta o artista, que já passou temporadas em mais cidades ao redor do globo.
Convidado da convenção de quadrinhos Rio Comicon, que ocorre a partir de quinta-feira (20), Kuper, 53, vive atualmente em Nova York, onde faz charges políticas para diversos jornais e revistas, desenha a tradicional série "Spy vs. Spy" na publicação de humor "Mad", adapta autores como Franz Kafka -- trabalho lançado no Brasil, com os livros "Desista!" e "A Metamorfose" (ed. Conrad) -- e dá aulas na School of Visual Arts (no próximo ano ele irá lecionar na Universidade de Harvard). A experiência de vivenciar outras culturas se conecta com a preocupação política do quadrinista. "Diante de tudo o que está ocorrendo no mundo, acho difícil não colocar temas políticos e sociais no meu trabalho", diz ele.
Por e-mail, Kuper falou sobre o assunto que irá debater nesta quinta no Rio, quadrinhos independentes e adaptações literárias, sobre Kafka, jornalismo em HQ e sobre o governo norte-americano. O quadrinista também participa de um debate sobre filosofia e quadrinhos no sábado (22) no Rio. Leia abaixo a entrevista.
UOL - Seu trabalho tem um lado político forte. Isso foi algo desenvolvido ao longo dos anos ou desde estudante de artes o acompanhava?
Peter Kuper - Meus pais eram bastante ativos politicamente e eu cresci durante a Guerra do Vietnã, então isso foi um pano de fundo para minhas experiências. A revista "Mad" me introduziu a ideia de misturar política e humor, e os quadrinhos independentes do fim de 1960 e de 1970 mostraram outras possibilidades em meio a tudo isso. Diante de tudo o que está ocorrendo no mundo, eu acho difícil não colocar temas políticos e sociais no meu trabalho. Quando não o faço, sinto como se estivesse festejando enquanto o circo pega fogo!
UOL - Você atualmente vive em Nova York, mas morou em outros lugares, como Israel e México. Como esta experiência de lidar com outras culturas influenciou seu trabalho? Você fala espanhol ou outros idiomas?
Peter Kuper - Visitar outras partes do mundo expandiu minha visão, então não sou centrista em relação aos EUA. Quando tinha dez anos de idade, meu pai, que era professor, levou a família para um ano sabático em Israel. Aprendi outro idioma, descobri outra cultura e apanhei muito! Foi uma experiência incrível ser colocado em um novo ambiente, embora tenha sido difícil também, ser alguém de fora. Em 2006, minha mulher e eu levamos nossa filha de nove anos para o México, a fim de dar a ela uma experiência parecida com essa, e embora ela tenha enfrentado dificuldades para se adaptar, ela se tornou fluente [em espanhol] (queria que meu espanhol fosse tão bom quando o dela!). Acho que [aprender o idioma] é uma parte essencial na compreensão do mundo a seu redor quando viaja. Se eu leio sobre um lugar que visito no jornal, tenho uma conexão bem mais profunda do que está ocorrendo.
UOL - Como foi adaptar Franz Kafka [Kuper tem dois livros adaptando o autor para os quadrinhos]? Foi ideia sua ou um convite, e qual a parte mais difícil deste trabalho?
Peter Kuper - Em 1988 fiz minha primeira adaptação de Kafka, como experimento para trabalhar na adaptação da história de um outro autor. O trabalho dele se traduz em quadrinhos de maneira tão perfeita que continuei a fazer essas adaptações durante os próximos oito anos, o que se tornou a compilação "Desista!". As palavras de Kafka funcionaram como uma âncora que me permitiu criar uma narrativa incomum, mas sem perder a legibilidade. Depois disso, sempre pensei em adaptar "A Metamorfose", e muitos anos depois a oportunidade de fazer o livro para uma editora grande veio, e agarrei-a. Levei seis meses para terminar, e lá pelo fim eu comecei a me sentir em uma armadilha, dentro de um quarto, com um inseto. De qualquer forma, foi uma experiência emocionante trabalhar em uma história tão incrível. A melhor parte foi saber que estaria levando os quadrinhos a pessoas que normalmente não leem o gênero, então tentei trabalhar e estética, o visual, o máximo que pude, a fim de demonstrar o que é possível fazer em uma HQ.
UOL - Você fez diversas charges sobre as eleições norte-americanas de 2008, antes da vitória de Obama. Como avalia o governo atualmente?
Peter Kuper - Estou frustrado vendo como nosso governo é incapaz de suprir as necessidades das pessoas, mas creio que Obama pegou um trabalho quase impossível de ser feito. Seria muito difícil para qualquer um se livrar da bagunça que a administração de Bush fez. Há muitas pessoas e corporações que têm um interesse pessoal em ver Obama fracassar e estão gastando muito dinheiro para isso. Pensando assim, Obama deve estar fazendo algo certo! Ele ainda tem o meu voto, mas espero que seja mais agressivo no combate aos ataques da direita e não se comprometendo tanto. Na próxima eleição, se um candidato da extrema direita vencer, posso considerar me mudar para o Brasil.
UOL - Nos últimos anos, o trabalho de cartunistas que fazem jornalismo em quadrinhos se tornou mais popular, mais reconhecido (como o de Joe Sacco). Como você vê essa associação?
Peter Kuper - Acredito que os quadrinhos sejam a mídia ideal para o jornalismo. Permitem a um artista explorar um tópico complicado e torná-lo acessível aos leitores de uma maneira única. Joe Sacco é o melhor nisso e demonstrou quão longe um artista pode ir dentro do universo jornalístico. As possibilidades nesse campo ainda são muito novas, e apenas começaram a ser exploradas, creio que veremos muito artistas fazendo isso no futuro.
UOL - No Rio Comicon você irá falar sobre HQs independentes e adaptações literárias. Qual sua opinião sobre estes temas atualmente? Você lê quadrinhos?
Peter Kuper - Atualmente os editores estão tendo dificuldades em sobreviver a esta terrível economia, então é dificil encontrar boas saídas para os quadrinhos, mas ainda vejo um monte de possibilidades. Há novelas gráficas sendo produzidas que usam os quadrinhos para explorar uma história, assim como adaptações, então este campo ainda está próspero. Leio uma boa quantidade de quadrinhos, mas é impossível manter isso com o tanto de coisas que é lançado. Embora certamente nem tudo tenha uma alta qualidade, ainda há HQs boas o bastante para que minha lista de leitura seja imensa.
UOL - O que você tem feito, está trabalhando em algo novo? Há planos de lançar algo em português?
Peter Kuper - Tenho feito cada vez mais trabalhos para editoras de fora dos EUA. Tenho alguns livros na França e três livros saíram no México ano passado (uma edição ilustrada de "Alice Através do Espelho", uma nova edição do meu livro "Diario de Oaxaca" -- sobre meus dois anos morando no México -- e um livro compilando 30 anos de ilustração para quadrinhos e rascunhos sobre a cidade de Nova York acabam de sair, todos em espanhol). Tenho muitos pequenos projetos com revistas como a "Blab!", e mesmo fazendo alguns quadrinhos dos Simpsons, assim como a "Spy vs. Spy" em todas as edições da "Mad", e faço um cartum semanal para um jornal na França. Também ensino quadrinhos na School of Visual Arts em Nova York e irei começar a dar aulas em Harvard no ano que vem. Não tenho nenhum projeto imediato de lançar algo novo no Brasil, mas quem sabe até o fim da convenção eu tenha!
Saiba mais sobre o Rio Comicon
O debate com Peter Kuper no Rio Comicon ocorre na quinta-feira às 20h, ao lado do editor norte-americano Denis Kitchen. Veja abaixo o serviço do evento, que terá entre os convidados internacionais Chris Claremont, um dos principais autores de "X-Men", a japonesa Junko Mizuno, da HQ "Cinderalla" (ed. Conrad), o argentino Liniers, autor da tira "Macanudo", entre outros. Além dos debates, o evento sedia exposições de mangá, do trabalho de Will Eisner, de Guido Crepax (a filha dele participa do evento) e da DC Comics, editora que comemora 75 anos. Veja no site oficial do evento a programação completa.
RIO COMICON
Quando: de quinta-feira (20) a domingo (23)
Onde: Estação Nova Leopoldina (av. Francisco Bicalho, s/n)
Quanto: R$ 20 por dia / R$ 60 (quatro dias). Há meia entrada. Ingressos podem ser adquiridos na própria Estação Leopoldina, de quinta a domingo (exceto o passaporte para os quatro dias), e antecipado, nas unidades da Livraria da Travessa no Rio (Barra Shopping, Shopping Leblon, CCBB e na unidade da rua 7 de Setembro - Centro do Rio)
Site oficial: www.riocomicon.com.br
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