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Dança de salão comemora 200 anos no Brasil e conquistou adeptos de todas as idades

FABÍOLA ORTIZ

Colaboração para o UOL, do Rio

17/07/2011 15h19

Depois de ter saído dos salões nobres da Corte portuguesa e ganhar a adesão popular, a dança de salão no Brasil resistiu no tempo, se modernizou, ganhou novos estilos e adeptos e, neste ano, comemora 200 anos com o 1º Prêmio Cultura da Dança de Salão.

Promovido pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e entidades ligadas ao universo da dança de salão, o prêmio homenageou personalidades, como professores, coreógrafos e os apaixonados responsáveis pela divulgação da dança.

O chamado Baile do Bicentenário ocorreu neste sábado (16) no Helênico Atlético Clube, um dos importantes salões que promove as tradicionais festas de dança no Rio de Janeiro, e homenageou com o Troféu do Bicentenário, figuras que contribuíram para que a cultura da dança de salão se mantivesse viva, como Carlinhos de Jesus, Jaime Arôxa e Jimmy de Oliveira.  A mestra Maria Antonietta, falecida em 2009, recebeu uma homenagem póstuma. 

“O Rio de Janeiro é hoje um pólo cultural e deve muito à dança de salão porque foi daqui que irradiou para o resto do país o costume de ir a bailes e a clubes. A população foi tomando gosto e tendo esse espírito boêmio do carioca que veio a partir da imitação do que se dançava nos salões da corte”, disse ao UOL Entretenimento Leonor Costa, curadora da exposição “200 anos de dança de salão no Brasil”.

A fase do grande retorno da dança de salão ocorreu nos anos 80 com a explosão da lambada quando os cursos de dança ficaram lotados de jovens “que corriam para aprender o ritmo e descobriam que existia o bolero, o soltinho e o samba de gafieira”.

Assista ao vídeo com casais se apresentando no evento

Os três ícones da dança de salão da atualidade foram lembrados nas comemorações que exaltam a influência que a dança teve na cultura brasileira.

Maria Antonietta, tida como a mestra ensinava desde os anos 40, “teve o mérito de ser posta em evidência na mídia e chamou a atenção para a existência da dança de salão que tinha ficado relegada aos clubes de subúrbio”, contou a curadora.

Antonietta teve discípulos como Carlinhos de Jesus “que é o showmen da dança de salão, todo mundo conhece”. Já o Jaime Arôxa “inventou uma metodologia de ensino que permite dar aulas em grupos e formou vários professores que se espalharam pelo Brasil todo”. E o Jimmy de Oliveira, destacou a pesquisadora, que “trouxe uma galera nova para o salão, misturou movimentos do samba funkeado e da dança de rua”.

Antigamente, só nos salões da Corte
Antigamente no Brasil, existiam as danças portuguesas de pares afastados ou o batuque africano. Com a vinda da Corte portuguesa que chegou ao Rio com mais de 15 mil pessoas, Dom João resolveu promover bailes para distrair os nobres e mandou chamar um professor de dança, o francês Luiz Lacombe, nomeado mestre de dança da casa Real.

“A dança de salão nada mais é do que uma normatização da dança popular que sofisticou, criou regras de etiqueta, regras de conduta no salão com passos coreografados e todo um cerimonial. A isso se dá o nome de dança de salão”, explicou Leonor Costa.

É graças ao marco zero com o anúncio do ensino da dança de salão na capital da colônia portuguesa, que iniciou uma febre na época por aulas, saraus e bailes que construíram a fama de boêmio do carioca. Essa maneira de dançar na Corte foi levada para as ruas que se misturou com a influência africana e originou o maxixe. “O maxixe foi a nossa primeira dança brasileira e daí para o samba, o forró e outras danças de par pelo Brasil inteiro. Cada região do país tem uma característica de dança de par. O forte no Rio é o samba de gafieira”, disse.

 

  • Hélio Mota/UOL

    O jovem casal Juliana e Jonathan faz apresentação no 1º Prêmio Cultura da Dança de Salão (16/7/11)

Patrimônio imaterial
A história dessa manifestação popular virou patrimônio cultural imaterial do estado do Rio de Janeiro em 2010. O autor do projeto de lei que propôs elevar a dança de salão a esta categoria, foi justamente um ex-aluno de dança.

 

“É um reconhecimento público e oficial do estado do Rio de que a dança de salão faz parte da nossa cultura e história e merece apoio. Ela nunca morreu, mas até hoje não teve a atenção devida pelo poder público que deve estimular, apoiar eventos, seminários e apresentações”, defendeu o presidente da comissão de Cultura da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), o deputado estadual Alessandro Molon.

Molon esteve no baile de comemoração dos bicentenário da dança. Para ele, além de ser uma experiência familiar, uma “diversão saudável”, a dança integra as pessoas de todas as idades, classes, cores e bairros.

Um dos lugares mais pacíficos é num baile de dança de salão, disse ao UOL o bailarino, professor e coreógrafo Jaime Arôxa, de 50 anos, que ensina há 25 e, em sua carreira, já ensinou cerca de 20 mil alunos a dançar e formou mais de 300 professores de dança.

“O maior prêmio que a gente pode receber como profissional é o reconhecimento dos alunos. A dança é a semente do bem na terra porque no mundo de hoje um dos lugares mais pacíficos e democráticos é um baile, não tem preconceito, não tem diferença, não tem violência, todo mundo se encontra para celebrar”, disse o pernambucano que veio ao Rio aos 18 anos em 1979 para aprender a dançar.

Para Jaime, qualquer um pode dançar. “O alcance do bem que a dança faz para a sociedade, nenhum filósofo conseguiu alcançar ainda. Enquanto houver homem e mulher, eles vão querer se agarrar ao som de uma música e eu estou aí para ensinar como fazer melhor”, brincou.

O representante de vendas Antônio Carlos Sandy, de 63, veio de Campo Grande para o baile assim como a profissional de saúde Rosemary Castro, de 40, de Itaguaí na região metropolitana do Rio. O casal se conheceu no baile dos 200 anos. Ele já dança há 10 anos, ela, descobriu a dança há quase nove meses.

“Me convidaram um dia para fazer aula, eu fui ver como era, gostei e fiquei”, disse Rosemary ainda tímida mas disse já gostar de dançar soltinho, salsa, tango e samba de gafieira”.

Para Antônio Carlos, a dança é “tudo de bom”. “É alegre, uma terapia, fisicamente faz bem. A gente faz amizade. A dança nunca vai morrer”.

O rei dos salões
Para os amantes da dança, ela nunca vai morrer. Aos 71 anos, Mário Jorge Messias Matos, já foi conhecido como o “rei dos salões”. Lenda viva da dança de salão, foi ele quem inventou a maioria dos passos de dança hoje aprendidos e divulgados nas academias. Aos 18 anos, Mário Jorge viajou o mundo dançando em filmes.

“O segredo da dança é a condução, o molejo, a improvisação e a criatividade”, destacou Mário que, no auge de sua carreira, um acidente de ônibus aos 39 anos paralisou a sua fama o deixando meses em coma com traumatismo craniano.

“A dança de salão significa um meio de se comunicar, expressar o amor que você tem por alguém. Antes a minha parceira era surda e muda e eu a conduzia”, contou Mário que nunca deixou de dançar ainda mais quando conheceu Dona Íris Neira, de 78.

Casados há três anos, os dois são frequentemente vistos nos salões dos tradicionais bailes de dança de salão.

Mário Jorge já perdeu a conta de quantos passos inventou em sua vida, mas o mais recente se chama Íris, em homenagem a sua companheira. “Ele gosta de samba e eu de bolero”, disse Dona Íris que conheceu seu par num baile e hoje a dança dá o toque especial do casamento.

‘Qualquer um pode’

  • Hélio Mota/UOL

    Viviane Macedo, tetracampeã em dança esportiva em cadeira de rodas, faz apresentação ao lado do parceiro, Luiz Claudio Passos (16/7/11)

Como prova de que qualquer um pode dançar, Viviane Macedo, 34, já é tetracampeã de dança esportiva em cadeira de roda.

Pouco mais de um ano de idade, Viviane foi vítima da poliomielite e ficou com sequela na perna direita. Para caminhar, usa aparelho ortopédico e muleta. Na dança, ela descobriu uma forma de se integrar, se divertir e se exercitar.

Desde 2006, ela disputa com seu parceiro Luiz Claudio Passos, 26, campeonatos de brasileiros de dança esportiva para cadeirantes e até internacionais. Ela, de cadeira de rodas, ele, apesar de não ter deficiência física, topou o desafio de ensaiar coreografias com Viviane.

“Quando eu recebi o convite, fiquei com medo”, lembrou Luiz Claudio que hoje dá aulas para cadeirantes também. A parceria com Viviane já dura há cinco anos com treinos diários e muito suor. A meta agora é conquistar um título internacional.