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"Grandes pornógrafos foram criados em famílias católicas", diz a ensaísta Camille Paglia em SP

A ensaísta Camille Paglia durante jantar de abertura do Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, em São Paulo (16/5/2011) - Alexandre Rezende/Folhapress
A ensaísta Camille Paglia durante jantar de abertura do Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, em São Paulo (16/5/2011) Imagem: Alexandre Rezende/Folhapress

DANIEL BENEVIDES<br>Colaboração para o UOL

19/05/2011 19h53

Elétrica, engraçada, performática. A ensaísta ítalo-americana Camille Paglia roubou a cena no teatro do Sesc Vila Mariana em São Paulo, no terceiro dia do 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural. O tempo inteiro de pé, deu novo sentido aos clichês “metralhadora giratória” e “pugilista intelectual”. Com o dedo em riste e gestos largos, atacou a mediocridade de Lady Gaga com a mesma energia com que demoliu o pós-estruturalismo dominante nas universidades americanas e “rebaixou” a intelectual Susan Sontag a uma oportunista blasé.

Pequena e toda de preto, sua fala incessante parece mais rápida do que os pensamentos. “Meu estilo de aula é baseado no improviso, na performance”. Em parte por isso, diz sentir-se “em casa no Brasil, aliviada por poder ser eu mesma afinal”. Acha que sua obra, que inclui o famoso “Personas Sexuais”, fenômeno editorial no começo dos nos 90, é melhor compreendida aqui do que em países de cultura mais puritana. Diz ser “fã de axé e Daniela Mercury” e que está aprendendo português.

Puritanismo parece mesmo seu alvo favorito, que identifica também com o universo cerebral do filósofo Michel Foucault e seguidores. “Como italiana, sempre fui muito física. Para mim é nonsense refletir o mundo de forma abstrata. Quando eu escrevo, tento usar os cinco sentidos, dar um toque sensorial ao texto”. Admiradora do Marquês de Sade, declara-se “grande estudante do sadomasoquismo como ideia”, ao que ajunta, arrancando risos da plateia: “mas não sou praticante”.

“Eu queria ser soldado romano”
Paglia considera o jornalismo cultural uma forma de arte, e acha que hoje, com a multiplicidade de informações, adquiriu o “papel crucial de intérprete do presente”. Frequentemente atacada por ser contraditória, detesta o dualismo simplista. Diz, por exemplo: “Não acredito em Deus, mas respeito as religiões como grandes construções artísticas". E, para diversão da plateia, acrescenta: “Mas não tenho nenhum sentimento por Jesus, gosto mesmo é do glamour dos santos e dos soldados romanos – no Halloween eu sempre queria ser soldado romano.” Mais adiante, ela que é filha de um professor de francês em colégio jesuíta, provoca: “Os grandes pornógrafos foram criados em famílias católicas, como Madonna, Mapplethorpe e eu mesma."

Conta que “saiu do armário” na universidade de Yale no final dos anos 60 para ganhar o respeito dos homens, mas que não tinha vida amorosa e invejava os gays masculinos “que sempre faziam sexo no banheiro da biblioteca”. Sua revelação surgiu num close de Ava Gardner, “uma deusa pagã colossal”. A crítica literária Kathrin Rosenfield, que ao lado do historiador Gunter Axt mediou a conversa, descreveu Paglia como uma "romântica pagã".

Paglia gosta de reality shows como “The Real Housewives”, e elogia uma participante brasileira -- curiosamente uma transexual, mas detesta seriados como “Mad Men” e “Sopranos”, que considera falsos. “Não suporto a caracterização da classe trabalhadora nos 'Sopranos' e muito menos o sotaque. Parece feito para a elite. Quanto ao 'Mad Men', a reconstituição de época é totalmente errada. Dou muita importância para cenário e figurino”, diz ela.

Carmen Miranda, Lady Gaga e Madonna
Paglia usa freneticamente a internet como fonte de pesquisa, principalmente o You Tube, “onde você pode ver Harold Lloyd pendurado no relógio e o chapéu de bananas de Carmen Miranda”, conta, entusiasmada. “Primeira intelectual a escrever para um site, o Salon.com”,  adverte, no entanto,  que a exposição fácil da internet não deve substituir a experiência real. Há anos preparando um livro sobre artes visuais, pondera que a pintura está deixando de existir, e que é preciso saber olhar e reconhecer, por exemplo, os diversos matizes de cores nos quadros de Monet.

Para ela a internet pode estar mudando o cérebro das pessoas e fazendo com que percam, cada vez mais, a habilidade de reconhecer a linguagem corporal e as expressões  faciais. Surpreendendo quem vê sua persona apenas como “explosiva”, diz, com certa candura: “Estou sempre olhando o céu, tenho uma visão neolítica da presença espiritual das pedras, rios e nuvens.”

Quanto a Lady Gaga, um de seus assuntos favoritos, declara enfaticamente que é vulgar, uma diva do déja vu, imitadora barata de Madonna, a quem continua adorando. "Os clipes de 'Open Your heart' e 'Vogue' são as melhores obras de arte do final dos anos 80 e começo dos 90”, acredita. Ainda sobre escrever, diz que gosta “de misturar os níveis de discurso, o registro acadêmico e a fala das ruas”, o que sempre causou problemas com os editores.

Ao final, teve quem a aplaudisse de pé. Sem demonstrar o mínimo cansaço após duas horas de fala ininterrupta, a calorosa Paglia partiu sorridente para entrevistas, sem deixar de falar com a mesma energia com os fãs que a abordavam.