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Público lota palco da comédia e se diverte mesmo sem ouvir piadas

MAURICIO STYCER<br>Crítico do UOL

17/04/2011 09h16

Principal novidade da sétima edição da Virada Cultural, em São Paulo, o palco dedicado a shows de humor foi um enorme sucesso, apesar das muitas piadas sem graça e da dificuldade de ouvir os humoristas em cena.
 
 
No momento de maior concentração, embaixo do Viaduto do Chá, cerca de sete mil pessoas se espremeram para ouvir Danilo Gentili rir de motoboys, corintianos, José Serra e Dilma Rousseff, entre outros alvos do seu show "Politicamente Incorreto".
 
O único telão apagou mal teve início o número de Gentili, provocando vaias e gritos de protesto. Como num show de rock, mulheres assistiam a performance nos ombros de seus namorados e parte do público uivava de alegria e prazer.
 
"Você está parado dentro do seu carro e vê a ambulância passar. E pensa: Muita sorte de quem está lá dentro", conta, provocando mais perplexidade do que risos. Gentili completa a piada com uma menção a motoboy, mas não dá para ouvir porque um helicóptero sobrevoa o Vale do Anhangabaú nesta hora. 
 
"Sai daí, mano", grita um sujeito na platéia, olhando para o céu e fazendo gestos para a aeronave.
 
"A gente sempre pede para não jogar comida nos humoristas", diz Marcelo Mansfield, mestre de cerimônias da noitada. "Mas pode jogar um dinheirinho", ri. Generoso, o público parece disposto a rir de qualquer piada, especialmente daqueles concluídas com palavrões.
 
"Fazer sexo na chuva aumenta o risco de ser atingido por um raio?", pergunta o humorista Leo Lins, do alto do palco. "Hahahaha", responde a multidão. "Se todo mundo que tem olheira é casado com alguém que ronca, imagina como deve roncar a mulher do José Serra", diz Rafael Cortez, em seu número. Ninguém ri.
 
Cortez tenta fazer graça falando da sua dificuldade de entender as letras de algumas músicas. "Tá ouvindo?", pergunta o rapaz, na plateia. "Nada", responde a moça. "Não tá entendendo?", ele insiste. "Não", ela diz, resignada. "É uma música do Capital Inicial que ele está cantando errado", ele tenta explicar.
 
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A duzentos metros do palco onde Gentili acabou de se apresentar, no mesmo Vale do Anhangabaú, está montado um ringue para exibição de luta livre, "o telecatch brasileiro", como explica o locutor.
 
O público é bem menor, mas se diverte mais. Anjo Loiro enfrenta Insano Igor. 
 
O vilão começa a luta, como de hábito, enchendo o mocinho de socos, joelhadas e torções, entre outros golpes baixos. "A coisa está complicada", explica o locutor, pedindo vaias para Igor. "Esse baixinho é nojento".
 
Depois de muitas voadoras, quedas para fora do ringue, chaves de braço e de perna, finalmente Anjo Loiro começa a dominar a luta e pressionar Insano Igor. Num movimento clássico em telecatch, ele sobe nas cordas e salta em cima do vilão. A plateia urra de alegria.
 
A luta seguinte tem início em seguida. Estou caminhando de volta para o palco do show de comédia, mas consigo ouvir o locutor se desculpar com o público. Um golpe de mentirinha acertou de verdade um dos lutadores, que se machucou, interrompendo a luta com menos de um minuto.
 
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A "Lei Seca" imposta pelo prefeito Gilberto Kassab na área onde ocorreu a Virada Cultural não foi inteiramente respeitada, nem diminuiu o consumo. 
 
Carregando sacos plásticos, para disfarçar, ambulantes vendiam cerveja mais cara (R$ 4) e mais quente do que em tempos de livre comércio.
 
A repressão atingiu outros tipos de comércio ambulante. Não havia um único pipoqueiro num raio de dois quilômetros, nem vendedores de hot-dog. Uma lástima. Só barraquinhas de pastel e caldo de cana, além de um quiosque comercializando salada de frutas.
 
Ambulantes misturados ao público também vendiam garrafas de vinho barato por R$ 8. E muitos jovens carregavam seu próprio combustível, vodca ou conhaque, embalado em garrafas de refrigerantes. Uma verdadeira comédia.