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"São Paulo ainda terá muito o que ensinar ao mundo sobre urbanismo", diz artista alemão

ANTONIO FARINACI<br>Colaboração para o UOL

30/03/2011 07h00

Franz Ackermann, 48, é um artista viajante. Seu interesse por se deslocar pelo globo e impulso criador são indissociáveis e já o levaram a dar a volta ao mundo. Numa dessas jornadas, ele deu em São Paulo, e ficou encantado com a cidade, que ele hoje chama de seu segundo lar (o primeiro é Berlim).

A Galeria Fortes Vilaça apresenta até o final do mês de abril a exposição "New Ads for São Paulo", produzida pelo artista em seis semanas de estadia na cidade. A mostra foi distribuída pelos dois endereços da galeria. No galpão da Barra Funda, obras monumentais, que falam de caos urbano e ruído, construídas a partir de imagens fragmentárias que misturam a cidade e abstrações coloridas, num grande "mapa imaginário". Na galeria, em Pinheiros, trabalhos menores e mais "orgânicos", que refletem sobre paisagem e ambiente.

A alguns dias de encerrar sua estadia no Brasil, Ackemann, um dos maiores pintores alemães de sua geração, conversou com o UOL. Falou sobre seu trabalho e sobre o otimismo inexaurível que alimenta pela capital paulista. "Não imagino que viverei para ver resolvidos os problemas das cidades da Índia, por exemplo. Porque os indianos estão cimentados em estruturas antiquadas", pondera. "Mas sinto que os de São Paulo, sim, pois há mais vitalidade, e a cidade está mudando neste instante, muito depressa". Para Ackermann, "São Paulo ocupa um papel chave e ainda terá muito o que ensinar ao mundo sobre urbanismo". Veja abaixo trechos da entrevista.

UOL - Suas pinturas trazem muitas imagens fragmentadas de pontos da cidade. Como você determina quais serão esses locais?
Franz Ackermann - São locais que têm muita importância biográfica para mim. Não são pontos de grande interesse turístico. São estruturas que participam da vida cotidiana e que têm alguma semelhança com arte abstrata. Eu viajo, ando pelas cidades, tiro fotos, faço rascunhos e estou interessado na arquitetura e no contexto das coisas. Eu parto desses fragmentos (de lugares) para criar uma linha de minhas viagens. Então, dá pra ver: ele esteve aqui, ali, virou a esquina, fez isso e aquilo. Porque meus trabalhos são como mapas inventados, permeados pela vida cotidiana, e que se transformam num questionamento da arquitetura e da abstração. E a questão da pintura está sempre subjacente, porque, ao fim, tem que ser uma boa pintura.
 

UOL - O nome da exposição, "New Ads for São Paulo", é uma referência à Cidade Limpa (Lei em vigor em São Paulo desde 2007 que baniu publicidade externa na cidade). O que você acha dessa lei?
Franz Ackermann - Acho que [o Cidade Limpa] representa um momento histórico dramático e maravilhoso, pois marca o fim do século 20 e o início de uma nova era. Nunca imaginei que isso aconteceria na América do Sul, em São Paulo. É maravilhosa a oportunidade que se criou para fazer questionamentos claros sobre a arquitetura, pois agora é possível ver as fachadas. Isso continua sendo uma utopia na Cidade do México, na Times Square de Nova York e em Londres, por exemplo. É incrível que essa utopia tenha se realizado aqui.

UOL - E os trabalhos são como novos outdoors para a cidade?
Franz Ackermann - Exatamente. Mas os outdoors têm de ser sempre planos. Nas telas, eu começo com campos planos de cor e os conecto com elementos orgânicos, que têm aparecido cada vez mais no meu trabalho. Então, às vezes, é plano como um anúncio, outras vezes é mais como um desenho. Todas essas mídias se intercambiam. Nos trabalhos que estão na galeria, uso até lápis. De forma que não há fronteira entre as linguagens e as mídias.

  • Reprodução / Blog Antonio Farinaci

    Detalhe de "Former Ad", 2011, obra de Franz Ackermann em exposição no Galpão Fortes Villaça

UOL - Como você distribui as imagens dos lugares pela pintura?
Franz Ackermann - É um embate. A partir do momento em que eu defino na pintura um pedaço de fotorrealismo que me agrada, eu parto para fazer ligações de outros aspectos com essa área. Daí, às vezes, uma parte da pintura que estava muito boa, acaba ficando "passiva" diante desses outros elementos que aparecem, porque eu estabeleci um novo foco. E é aí que acontece o embate. Porque eu tento criar vários campos que acabam "brigando" entre si. E uma área que era muito importante pode acabar ficando apagada. Daí, eu tenho que reorganizar elementos para resgatar esse pedaço. E assim vai... Até o fim, há sempre muito risco nas ações.

UOL - E como você sabe que o trabalho está pronto?
Franz Ackermann - A gente nunca sabe! Mas acho que é uma questão de intensidade. Quando todos os cantos da pintura têm a mesma intensidade, com áreas calmas e áreas fortes, aí, a pintura está pronta.

UOL - Qual sua impressão mais forte de São Paulo?
Franz Ackermann - Minha impressão mais forte é o fato de a cidade não ter mais anúncios e cartazes. Depois, por mais estranha que possa parecer esta afirmação, acho que São Paulo ocupa um papel chave e ainda terá muito o que ensinar ao mundo sobre urbanismo. Acho que há muito a se aprender sobre os problemas da cidade e como solucioná-los.

UOL - Para quem mora em São Paulo, isso pode parecer otimista demais, pois a cidade tem muitos problemas...
Franz Ackermann - Pois é. Mas acredito que nos próximos 10 anos, São Paulo será obrigada a enfrentar os seus problemas. O problema do tráfego, da poluição, a questão com os dois rios, as diferenças sociais... E isso tudo terá de ser resolvido de uma maneira humana. E em comparação à Índia ou à China, por exemplo, acho que aqui há mais vitalidade. Eu não imagino que viveremos para ver resolvidos os problemas das cidades da Índia, por exemplo. Porque os indianos estão cimentados em estruturas antiquadas. Mas sinto que em São Paulo a cidade está mudando neste instante, muito depressa.

UOL - Você já morou em São Paulo?
Franz Ackermann - Já passei várias temporadas. Esta última durou seis semanas. Mas todo ano, ou uma vez a cada dois anos, eu passo umas temporadas aqui. Não fico só num lugar, eu viajo muito. Da última vez que estive aqui, fiz o trajeto de Alexander von Humboldt (explorador alemão do séc. 19), do Atlântico ao Pacífico, passando por Foz do Iguaçu, Paraguai, Bolívia (a viagem virou uma exposição no Rio de Janeiro)... Eu considero que minha casa é Berlim, onde eu tenho meu estúdio, e, para mim, São Paulo é como meu segundo lar. Eu tenho aqui uma rede de conhecidos e amigos que é praticamente igual à de Berlim.

 


FRANZ ACKERMANN - "NEW ADS FOR SÃO PAULO"
Quando: até 30 de abril
Onde: Galeria Fortes Vilaça (rua Fradique Coutinho, 1500, Pinheiros. Tel.: 0/xx/11 3032-7066) e Galpão Fortes Vilaça (rua James Holland, 71, Barra Funda. Tel.: 0/xx/11 3392-3942)

SAIBA MAIS - Programação comemorativa de 10 anos da galeria Fortes Vilaça:
Julião Sarmento – 12/5 a 18/6 (na galeria)
Erika Verzutti – 14/5 a 18/6 (no galpão)
Marine Hugonnier ("Common Consciousness") – 30/6 a 13/8 (na galeria)
Destricted.br (mostra de filmes eróticos) – 2/7 a 21/8 (no galpão)
Iran do Espírito Santo – 25/8 a 1º/10 (na galeria)
Los Carpinteros – 10/9 a 29/10 (no galpão)
Cerith Wyn Evans – 6/10 a 12/11 (na galeria)
Weekend (coletiva curada por Jens Hoffman) – 19/11 a 17/12 (no galpão)
José Damasceno e Marco Veloso ("Conversa") – 24/11 a 17/12 (na galeria)