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Jovens protagonizam "onda de pintores" no circuito das artes em SP

Ana Sario, 25, posa na galeria Virgílio (e) e junto de obra da exposição "Lugar Comum" (d) -
Ana Sario, 25, posa na galeria Virgílio (e) e junto de obra da exposição "Lugar Comum" (d)

MARIO GIOIA<br>Colaboração para o UOL

16/11/2010 16h00

Se críticos, curadores, diretores de instituições e artistas estrangeiros que "invadiram" São Paulo e suas exposições no período de abertura da 29ª Bienal de São Paulo, desembarcassem cerca de um mês depois na cidade, veriam uma forte presença pictórica no circuito paulistano de galerias. Com as exposições concomitantes de Marina Rheingantz na galeria Fortes Vilaça, Ana Prata na Marilia Razuk, e Ana Sario e Mariana Serri na Virgilio – estas duas encerradas no último sábado (13) --, é inevitável perceber que o mercado assimilou nomes emergentes da pintura.

"Não se trata de uma nova onda de pintura, porque nunca parou de haver pintura. Trata-se de uma nova onda de pintores, uma geração bastante produtiva", afirma o artista Sérgio Sister, 62 anos, cuja produção começou a ser mais observada nos anos 80, considerada a década da volta da pintura.

Marina Rheingantz, 27 anos, estende sua individual “Camping” até 18 de dezembro na Fortes Vilaça, galeria que tem artistas consagrados, como Adriana Varejão, Nuno Ramos e Beatriz Milhazes. Em sua segunda mostra no espaço, parece ter ganhado mais liberdade e fluidez em relação a sua estreia. "Essa exposição vem como uma continuação da outra. As novas pinturas são mais soltas, aguadas, gestuais. Nesta, há elementos novos -- a cadeira, o trailer", diz ela. "Vejo minhas pinturas como uma mistura de paisagem inventada com elementos reais."

  • Divulgação

    Detalhe de pintura da artista Marina Rheingantz na galeria Fortes Vilaça, em São Paulo

A artista, também presente na coletiva “Paralela”, celebra o bom momento da pintura na cidade, "também um bom momento de toda arte contemporânea", e a relação com artistas egressos da geração 80. "É uma troca muito boa, eles foram generosos. É muito bom conviver com alguém que já vive toda essa situação há mais tempo."

Ana Prata, 29 anos, apresenta na individual “Nada Pertence” um conjunto de 16 telas que o crítico Fernando Oliva, em texto sobre a mostra, diz ser formada por "ícones esvaziados de impacto", como no trabalho “Carro na Mata”. "O processo de escolha das obras foi se desenrolando junto com o processo de trabalho em ateliê. Trabalhei ao longo do ano e fui editando as obras", resume a artista.

Mariana Serri, 28 anos, apresentou em “We Live on a Mountain” uma série de 13 telas, algumas delas de grande dimensão, sua investigação particular sobre a paisagem. "A fotografia sempre caminhou junto com a pintura, antes era registro e hoje tem sua autonomia. Ela me ajuda no processo de planificação, não é uma cópia", conta ela, que para em rodovias e estradas para capturar imagens de elementos de certa estranheza, como taludes e aterros. "Construo paisagens marginais, evasivas. Meu assunto é a interferência do homem na paisagem, algumas vezes intervindo de forma bastante nonsense."

Ana Sario, a mais jovem das quatro artistas em questão, com 25 anos, também parte da fotografia para realizar sua produção pictórica. Em “Lugar-Comum”, quando exibiu 20 trabalhos, a artista apresentou telas de diferentes proporções para retratar uma São Paulo do seu entorno, próxima, afetiva. "Fazia gravuras, mas achei muitas limitações nessa linguagem", relata. "A fotografia como ponto de partida vem por minha relação com a cidade, tem mais a ver com as experiências que vivo." Nas grandes telas, em dois anos, Sario mudou o ponto de vista: antes, eram mais planos horizontais, pontuados por barreiras de todos os tipos -- fios elétricos, postes, construções. Hoje, parece observar a urbe mais diagonalmente e de cima. Assim, pátios ajardinados de edifícios e calçadões desenhados são retratados. 

  • Willians Valente / UOL

    Obras da artista Ana Prata, 29, expostas na galeria Marília Razuk

Debate sobre a pintura

O artista Paulo Pasta, 51 anos, lembra que, à época da sua formação na ECA-USP, nos anos 80, a pintura era malvista. "Lá, a própria escolha da linguagem e sua pertinência seriam uma questão. Hoje isso não existe", diz ele. "O debate migrou para dentro da pintura a fazer. 'Qual a pintura que faço?' e 'Como encaro a tradição?' são perguntas mais afeitas à nossa época. Essas artistas não precisam resgatar nada, não são 'guardiãs' de nada. As cargas ideológicas diminuíram."

Pasta vê no trabalho das quatro artistas "um trato difícil com o pop, presente na arte brasileira, uma dificuldade em assimilar essa linguagem", afirma ele. "Existe no trabalho delas, em maior ou menor grau, uma espécie de tristeza, de morosidade, de lentidão. Todas apostam na simplicidade, ou seja, numa pintura direta e de síntese."

Apesar dos elos de contato, o artista destaca a singularidade de cada uma de suas poéticas. "Elas são autônomas e constroem conscientemente suas peculiaridades."

O que pode ser mais interessante deste momento é contribuir para que se pare de pensar que a produção contemporânea tem de ser feita com meios que, apenas por terem sido criados mais recentemente, são considerados contemporâneos. É possível ser extremamente conservador ao se trabalhar com performance, vídeo e qualquer outra linguagem mais nova

Fernanda Lopes, curadora associada de artes visuais do CCSP (Centro Cultural São Paulo)

Serri defende sua opção destacando a sua rotina de trabalho bem pessoal. "Diante dessa rapidez desenfreada de tudo que nos cerca, trabalhar no ateliê, em frente a uma tela em branco, é uma escolha autoral e sempre atual. Abraçar a disciplina e ficar lá, todos os dias, produzindo algo que é mais lento."

"Sinto que faço parte de uma cena contemporânea. Isso só veio porque me foi dada a liberdade de escolha, e eu optei pela pintura", resume Sario.

A curadora associada de artes visuais do CCSP (Centro Cultural São Paulo), Fernanda Lopes, que acompanha de perto tais artistas, vê com "bons olhos" a existência de uma forte produção de pintura feita por jovens nomes. "Esses artistas não começaram a fazer pintura de uma hora para outra", conta ela. "O que pode ser mais interessante deste momento é contribuir para que se pare de pensar que a produção contemporânea tem de ser feita com meios que, apenas por terem sido criados mais recentemente, são considerados contemporâneos. É possível ser extremamente conservador ao se trabalhar com performance, vídeo e qualquer outra linguagem mais nova."

A abundância de referências da TV, do videogame e do computador cria um novo corpo de referências de imagens para esses artistas jovens, acredita Lopes. "A relação deles com a imagem passa por esse canal. É uma relação com a imagem e com o registro do que vemos. Fazem trabalhos que lidam com a memória e com o tempo."


"MARINA RHEINGANTZ - CAMPING"
Quando: até 18/12. de ter. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 10h às 17h
Onde: galeria Fortes Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, SP, tel. 0/xx/11/3072-7066)
Quanto: entrada franca
 
"ANA PRATA - NADA PERTENCE"
Quando: até 16/11. De seg. a sex., das 10h30 às 19h, e sáb., das 11h às 15h
Onde: galeria Marilia Razuk (r. Jerônimo da Veiga, 131, SP, tel. 0/xx/11/3079-0853)
Quanto: entrada franca