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Pianos são destaque de três grandes exposições em São Paulo

Instalação com "vísceras" do piano, de autoria da artista alemã Rebecca Horn; obra está no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo apenas até este domingo (3) - Fernando Rabelo / UOL
Instalação com "vísceras" do piano, de autoria da artista alemã Rebecca Horn; obra está no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo apenas até este domingo (3) Imagem: Fernando Rabelo / UOL

ANTONIO FARINACI<br>Colaboração para o UOL

28/09/2010 08h00

Três pianos são destaque de importantes exposições de artes plásticas em cartaz em São Paulo -- o explosivo "Concerto para Anarquia", de Rebecca Horn, no Centro Cultural Banco do Brasil; "Metade da Fala no Chão", de Tatiana Blass, na 29ª Bienal; e o vaporoso "Choro", de Laura Vinci, na 5ª Paralela. E esta é a última semana em que o público paulistano tem a oportunidade de ver esses pianos reunidos na cidade, já que a retrospectiva de Horn se despede da capital paulista, e do Brasil, no próximo domingo, dia 3 de outubro. As obras levam ao limite a noção que se tem do instrumento, sua funcionalidade e integridade física: Horn o "eviscera", Blass o imobiliza e Vinci o envolve em névoa.

Instrumento icônico, por sua extensão e versatilidade, o piano é uma espécie de "instrumento dos instrumentos", associado a variados estilos de música clássica e popular. Nesse sentido, seu corpo vem carregado de uma potente carga simbólica, uma metáfora da expressão musical e artística em geral, dado que inspirou artistas como Joseph Beuys, um dos primeiros a utilizá-lo como "matéria prima", em 1966.

"O piano é um instrumento símbolo principalmente da música que se produziu a partir do século 19, e é algo muito próximo de mim", reflete Laura Vinci, que, dos 12 aos 20 anos estudou oboé em conservatório. "Em meu trabalho, o piano me interessa especialmente como 'máquina que faz som', e é nesse sentido que ele se comunica com outras obras minhas", teoriza a artista, que considera o trabalho exposto na Paralela como "uma tentativa de dar forma ao som e ao espaço que ele ocupa".

Para Tatiana Blass, seu trabalho em exibição na Bienal é uma reflexão sobre a "dificuldade de comunicação" e sobre uma tentativa de discurso que acaba por terra, como a cera escorrida do interior de seu piano. "Acho que a diferença principal com relação ao trabalho da Rebecca Horn, por exemplo, tem a ver com o elemento supresa, que no trabalho dela é muito importante. No meu caso, acho que o mais eminente é o gesto de violência de se calar o instrumento".

Apesar da violência, a artista deixa claro que o piano utilizado por ela na instalação era um instrumento muito antigo e danificado, que já não tinha conserto. "É impressionante a quantidade de pianos 'sem casa' que há em São Paulo, abandonados porque as pessoas não têm mais espaço para eles. Consegui o meu numa empresa de restauro, e escolhi um que já estava bem comprometido pelo tempo", conta Blass. "Depois indiquei o mesmo lugar para a Laura [Vinci] encontrar o piano dela. Nosso intuito não é sair por aí destruindo pianos", brinca a artista.

Veja abaixo uma breve descrição das obras e o local de exposição de cada uma delas.

Rebecca Horn, "Concerto para Anarquia" (1990)
Dependurado de ponta cabeça, animado por um mecanismo, o piano de Rebecca Horn ganha vida a intervalos regulares de tempo. Durante violentas "convulsões", as teclas do instrumento são projetadas para fora do corpo, que emite uma massa sonora reverberante e indistinta. Depois de um tempo com as vísceras expostas, o instrumento recolhe as partes estendidas e se fecha. Devolvido a sua forma original, numa posição que, ainda que estável, por si já provoca incômodo (de cabeça para baixo), o piano aguarda a repetição do ciclo. Em exibição na retrospectiva "Rebelião em Silêncio", até 3 de outubro Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (rua Álvares Penteado, 112).
Foto: Fernando Rabelo / UOL
Tatiana Blass, "Metade da Fala no Chão" (2010)
Enquanto um pianista toca peças de Chopin (o compositor para piano por excelência), duas pessoas despejam cera derretida dentro do "corpo" do instrumento. À medida que a cera vai esfriando e se solidificando, o mecanismo do piano é progressivamente paralizado. A partir de um certo momento, a cera transborda pelos pedais e teclado, e escorre pelo chão. O resultado final é um piano de cauda "rechedo" de cera sólida, sobre uma poça do mesmo material. A performance foi realizada no dia de abertura da 29ª Bienal de São Paulo para convidados (22/9). Até dia 12 de dezembro, ao lado da obra consumada, os visitantes podem assistir a um vídeo com o registro de uma encenação da performance realizada em agosto, no teatro do Sesc Pinheiros. Onde: Parque Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/n).
Foto: Divulgação
Laura Vinci, "Choro" (2010)
Enquanto Horn trabalha com explosão e violência, e Blass com rigidez e entravamento, Laura Vinci apresenta a obra mais literalmente etérea das três. Um sistema de tubulações metálicas injeta vapor dentro de seu piano, que exsuda fios de água condensada, como lágrimas, e exala uma névoa fria. "O título é uma brincadeira com a palavra 'choro', que é também o nome de um gênero musical", explica a artista. Para ela, o piano aparece neste trabalho sobretudo como uma "máquina", um mecanismo, tema recorrente de outros trabalhos seus, como "Máquina do Mundo" (2005), obra feita a partir de uma esteira transportadora de minério, em exibição na galeria de Inhotim (MG). Em exibição na 5ª Paralela, até 28 de novembro. Onde: Liceu de Artes e Ofícios (rua Jorge Miranda, 676).
Foto: Natália Garcêz / Cortesia Paralela