Texto de Tom Stoppard motivou a troca de comando na Cia. de Ópera Seca

ROBERTO MORENO

Enviado especial a Curitiba*

A estreia de "Travesties" não pode ser dissociada da troca de comando na Cia. de Ópera Seca.

Gerald Thomas, fundador do grupo, passou o bastão para um "funcionário de carreira". Caetano Vilela trabalhou na Ópera Seca por três anos, como produtor, iluminador e diretor adjunto. Em 2002, saiu para se dedicar à ópera clássica em Manaus. No ano passado, comprou os direitos do texto de Tom Stoppard e, instigado por Thomas, resolveu montar o espetáculo com a Cia. de Ópera Seca. Pela primeira vez, em 25 anos, a companhia atuou sem a direção de Thomas.

Caetano Vilela conversou com o UOL na tarde deste sábado, antes da segunda apresentação de "Travesties" no Festival de Curitiba.


Como você chegou à direção da Cia. de Ópera Seca?
Entrei na companhia dez anos atrás. Fiquei durante três anos e, nesse período, fiz de tudo: entrei como produtor, mas já querendo trabalhar com Gerald. Durante a turnê de "Nowhere Man", a gente começou a ter uma empatia profunda de trabalho, de repertório, cultural mesmo. Essa coisa de ópera. Eu já fazia ópera em Manaus, mas queria trabalhar com ele. Assumi o posto de iluminador e fui diretor adjunto, cuidando do elenco. Como o Gerald é autor dele mesmo, vai criando o espetáculo de acordo com o movimento, sem texto, sem coisas muito elaboradas. Se chega na hora e alguma coisa ficou ruim, ele não tem o menor pudor em cortar, e quem está ali tem de conviver com essa possibilidade. Eu ajudava na organização disso. Fizemos "Ventriloquist", "Tragédia Rave" e "Nietsch x Wagner". Em 2002 sai para cuidar da minha vida, já começando a dirigir óperas e algumas coisas de teatro alternativo. Fiz óperas tradicionais, como "Carmen" e "O Barbeiro de Sevilha".

Ficou totalmente afastado da companhia desde 2002?
Sim, totalmente fora. A gente estava sempre em contato, eu com Gerald, por e-mail ou quando ele vinha ao Brasil. Assisti a tudo o que ele fez depois disso, e ele dizia que era um desperdício eu ficar em Manaus, que eu era um autor e que não podia fazer as coisas e ninguém ficar sabendo. No ano passado, estava estressado e parei um pouco com as óperas. Vim a São Paulo e comecei a acompanhar os ensaios da blognovela que Gerald preparava para o portal IG. Fui me envolvendo e via o Gerald desesperado, tentando formar aquele núcleo novo. Ele pediu para eu montar a luz, fiz a luz pra ele e eu mesmo operei. Depois ele fez um texto para os 25 anos da Companhia dos Atores, no Rio, e pediu minha ajuda. Nessa volta eu já tinha comprado os direitos do texto do Tom Stoppard, mas não consegui produção nem teatro. Gerald perguntou com quem eu iria fazer e disse que não sabia. Nisso ele disse para eu fazer com a Companhia, disse que Stoppard é o único autor que ele respeita. E realmente, tem a estética, as preocupações, o estilo, identifico várias coisas do Gerald ali.

E de Beckett também...
Total, muito parecido. Aliás, eu reforcei essa imagem beckttiana [em "Travesties"] começando com o arquivo morto, a história do Lênin, aqueles personagens saindo de dentro dos arquivos. Reforcei essa situação do absurdo, e foi genial, porque como Gerald praticamente não tem rubrica, ele tem a ideia de como você vai interpretar aquilo. O Gerald é um comediante. Quando comecei a ver Gerald dirigindo, comecei também a ver de onde saiu Beth Coelho, de onde saiu Luis Damasceno, e é um humor muito particular. Como eu venho do teatro, como ator, fiz dança, tenho também outro tipo de repertório corporal. Juntando com a minha experiência em ópera, vi que era possível passar tudo aquilo com o corpo. Comecei a fazer minha versão de como o Damasceno faria aquilo, o Germano começou a me imitar e virou outra coisa. E vi tudo de "Electra Com Creta" pra cá, tenho imagens muito fortes disso, como em "Carmen com Filtro", a Beth Coelho sambando em cima de uma mesa, que agora tem com a Fabi.

Voltando um pouco para a estrutura, Gerald continua no comando da companhia ou houve algum rompimento?
Ele se afastou, por uma série de motivos. Estava com o saco cheio, porque tudo é difícil, tudo é burocrático. A coisa do financiamento e da produção o chateia muito. A companhia, com 25 anos, não tem uma sede, não recebe fomentos, não tem como manter um elenco como o Gerald mantinha em outros tempos.

Então hoje você é o cabeça?
Hoje eu tenho milhões de projetos. Já passei por essa crise do Gerald. Agora estou fazendo uma carreira boa na ópera, aqui e lá fora, e quis voltar para o teatro.

"Travesties" tem temporada prevista para depois do Festival?
Ainda não. Não conseguimos fechar nenhum teatro para o primeiro semestre em São Paulo. O SESC ofereceu salas pequenas, mas preciso de palco italiano. Há uma possibilidade para agosto, no Rio de Janeiro. As pessoas perguntam se precisa ter fosso, isso e aquilo, mas isso é uma coisa daqui [teatro Guaira], claro que se ganha com isso, mas vou redimensionar o espetáculo para que ele "caiba" em outros espaços. Vai ser um tempo bom para repensar o espetáculo.
 

*O jornalista viajou a convite do festival.

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