Aos 87 anos, palhaço Picolino defende a profissão e diz que "ser palhaço é coisa séria"
A 1ª edição do "Risadaria - Muito Além da Piada" reúne neste fim de semana, no Parque Ibirapuera, gerações de humoristas e comediantes - de jovens promessas a artistas com muitos anos de estrada. Neste segundo time, inclui-se Roger Avanzi, 87, o palhaço Picolino, um dos palhaços mais velhos ainda em atividade no mundo.
Com apresentação marcada para sábado (20), Picolino é defensor da profissão e não gosta do uso do palhaço em protestos. "Sou contra as pessoas usarem narizes vermelhos como forma de protesto. Ser palhaço é coisa séria. Acho que não deveriam mexer com o nosso nariz, mas sim com os deles próprios", diz Avanzi. "Deixem-nos em paz para alegrar as pessoas", completa.
Mas as críticas de Avanzi vão no sentido de preservar e também modernizar o palhaço e o circo para o público atual. "Parece-me que não é muito interessante ver palhaço hoje em dia. Há exceções, mas acredito que os palhaços devem se preparar melhor para conduzir e entreter as crianças", explica o palhaço que é tido como padrinho de membros de grupos como os Parlapatões e o Circo Zanni. "Os circos ainda atraem multidões em todo o mundo e esta arte sempre vai estar viva", conclui.
Roger Avanzi caracterizado como o palhaço Picolino
Avanzi contou, em entrevista por telefone ao UOL, um pouco de sua trajetória e o que pretende apresentar em sua participação no Risadaria. "A minha história é bem rápida. Vou te contar em uns dois minutos, 50 minutos, um ano e por aí vai, até quando eu não conseguir mais falar", brinca o palhaço às gargalhadas.
UOL: Como o circo e o Picolino entraram na sua vida?
Roger Avanzi: Meu pai, Nerino Avanzi, veio de navio da Itália e fundou o Circo Nerino na cidade de Curitiba (PR), em 1913, que funcionou por mais de 50 anos. Foi ele que deu vida ao primeiro Picolino. Lá, aprendi a dominar vários números de circo – a fazer acrobacias, andar de bicicleta e cavalo. Comecei trabalhando ao lado de meu pai. O tempo passou e meu pai foi envelhecendo até chegar o dia em que não agüentava mais trabalhar. Ele teve de desistir do Picolino e comecei a me apresentar como o "Picolino 2º" aos 32 anos, em 1954.
UOL: Qual a graça em ser palhaço?
Avanzi: O bom de fazer um palhaço é a palhaçada [risos]. É uma delícia, mas tem que saber para quem estamos nos apresentando. Se estamos fazendo um show para adultos, fazemos palhaçada para adultos. Se a plateia é heterogênea, procuramos mesclar as piadas. Mas o mais gostoso é fazer uma palhaçada mais tradicional e ver as crianças se divertindo com as nossas brincadeiras, porque a gente também se diverte muito. Criança é a coisa mais linda do mundo!
UOL: O senhor acha que os palhaços fazem hoje o mesmo sucesso do passado?
Avanzi: Tenho ido a alguns circos grandes e percebo que, enquanto os palhaços trabalham, as crianças andam em volta das cadeiras, passeiam, não estão interessadas em nada. Não quero generalizar, mas parece-me que não é muito interessante ver palhaço hoje em dia. Há exceções, mas acredito que os palhaços devem se preparar melhor para conduzir e entreter as crianças...
O "Picolino 2º" em 1963
UOL: Ao longo de sua carreira o senhor já ensinou muitos outros palhaços?
Avanzi: Depois que o circo do meu pai parou de funcionar, vieram me procurar e acabei participando da turma de professores da primeira escola de circo do Brasil, que nasceu em São Paulo no fim da década de 70. Lá, dei aulas de palhaço, bicicleta acrobática, monociclo pequeno, monociclo gigante de quatro metros... Depois, comecei a dar aula no Circo Picadeiro.
UOL: Quem já foi seu aluno?
Avanzi: Sim, hoje há grandes grupos que passaram pelas minhas mãos, como o Parlapatões e o pessoal do Circo Zanni, que me chamam de ‘mestre’, o que me deixa todo acanhado. Mas tenho muito orgulho do meu trabalho.
UOL: O senhor pensa em se aposentar?
Avanzi: Já faço força para aguentar o ritmo de trabalho porque a idade pesa. Não digo que vou me aposentar porque, quando penso nisso, parece que uma força me obriga a continuar com o meu ofício. É incrível! Acho que gosto mesmo disso...
UOL: O senhor acha que o circo tradicional vive um período de decadência no Brasil? Como você avalia o trabalho do Cirque du Soleil, que se pauta bastante na tecnologia em seus shows?
Avanzi: Se o circo tiver um bom espetáculo, as pessoas irão. Se não tiver condições ou apresentar um show medíocre, não chamará atenção e as pessoas não irão se interessar. O Cirque du Soleil tem um bom espetáculo e toda a temporada tem grande procura. Todos querem comprar ingressos e não conseguem. É um espetáculo grandioso, mas não é próprio para crianças. Claro, os pais podem levar seus filhos porque é bonito, mas não tem a graça do palhaço que havia nos circos antigos. O cenário é escuro, fica tudo meio na penumbra e a gente não vê direito a cara do artista, se está rindo ou chorando. Mas é um outro tipo de espetáculo, uma grande produção e atrairá público sempre. Por sinal, tenho três sobrinhas que trabalham no Cirque em Las Vegas, Estados Unidos.
CURIOSIDADES
- A Escola Picolino de Artes do Circo foi criada em 1985, na Bahia, como uma escola de circo particular e que também realiza trabalhos com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Da escola, saíram nomes importantes do circo brasileiro, como Jailton Carneiro, integrante do elenco do espetáculo “Quidam”, do Cirque du Soleil, que se apresenta no Parque Villa-Lobos (SP). Ele faz parte do ato “Spanish Webs” (Cordas lisas) |
- Em 1997, foi criada a ONG Associação Picolino de Artes do Circo, voltada para o trabalho de desenvolvimento infanto-juvenil da arte-educação. |
- A Companhia de Circo Picolino é formada por 25 jovens artistas, todos ex-alunos da Escola Picolino de Artes do Circo. O trabalho desenvolvido diariamente envolve aulas, treinos e ensaios orientados por professores e técnicos especializados. |
UOL: O governo deveria investir mais no circo?
Avanzi: O governo precisava investir mais. Tudo aquilo que não recebe ajuda do governo tem mais dificuldades para evoluir. Muitos circos pequenos começam assim e não vão para frente. Uma das coisas que mais trazem problemas para o circo é o espaço. Antigamente, as lonas eram armadas nos centros das grandes cidades e no interior. Hoje está tudo congestionado. O Cirque du Soleil, de novo ele, tem uma propaganda toda em volta, mas, mesmo assim, armou sua tenda longe (o grupo canadense se apresenta no Parque Villa-Lobos, na capital paulista); tem que ir de carro. E vai quem tem dinheiro. Anos atrás, quando tínhamos espaço, havia vários circos estrangeiros trabalhando no Brasil. Muitos desses artistas, inclusive, ficaram no Brasil e fundaram outros circos.
UOL: Atualmente, as pessoas têm feito uso dos narizes vermelhos como instrumento de protesto e ninguém quer ter “cara de palhaço”. O que o senhor acha disso?
Avanzi: Sou contra e todos os palhaços são contra. Quando querem bagunçar, põem o nariz vermelho e saem reclamando que não são palhaços. Ser palhaço é coisa séria. Acho que não deveriam mexer com o nosso nariz, mas sim com o deles próprios. Deixem-nos em paz para alegrar as pessoas!
UOL: Você participa neste fim de semana do Risadaria. Como será a sua participação no evento?
Avanzi: Vou fazer uma apresentação rápida, de 10 ou 15 minutos, porque o tempo é curto e tenho que abrir passagem para os que vierem depois. Mas um evento deste tipo é muito bom porque a risada é igual em todos os idiomas. É universal. E o Risadaria está ajudando a promover o humor e a provar a nossa força.
PALHAÇO PICOLINO NO RISADARIA
Quando: Dia 20 de março (sábado), às 18h. Apresentação faz parte dos “Encontros Gozados”
Onde: Teatro Devassa - Pavilhão da Bienal (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3 do parque do Ibirapuera)
Quanto: R$ 100 (ingressos para o Teatro Devassa dão acesso também ao pavilhão do Risadaria)
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