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"Escultura pop", toy art ganha releituras pelo mundo

ADRIANA TERRA<br>Colaboração para o UOL

23/05/2008 13h10

Reprodução
Travela, boneco criado pelo grafiteiro norte-americano Doze Green em 2002
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O interesse por novas plataformas foi o impulso que faltava, em 2002, para os artistas de rua e designers paulistanos Victor Armani Mikalonis, o Victor One, e Carlos Eduardo Doy, mais conhecido como Pifo, aprenderem todas as etapas de produção dos bonecos customizados, classificados como toy art e recente febre de consumo entre aficionados por arte e design.

Pela Internet, eles tomaram conhecimento de bonecos que grafiteiros, como o nova-iorquino Doze Green, criavam como extensão de sua produção nas ruas. "O Victor apenas modelava, então ele começou a pesquisar como reproduzir, fazer o molde... É um processo bem longo", garante Pifo, que aponta o grafite e a pichação como as raízes de seu trabalho junto a Victor.

As influências que Pifo cita ficam evidentes no boneco criado pela dupla - que assina como Sincrônica -, inspirado em personagem que ele grafita, o Nato. Em março de 2007, a peça feita pelos artistas se dividiu entre as ruas e as prateleiras. Ou melhor, a prateleira da Plastik, misto de loja e galeria em São Paulo para a qual a dupla concebeu três bonecos exclusivos.

Criado em dezembro de 2006 por Nina Sander, o espaço concentrou apenas bonecos que anteriormente, no Brasil, estavam espalhados em poucas lojas e nas mãos de quem comprava fora do país ou pela internet.

A dona da Plastik conheceu os brinquedos artísticos de um modo diferente de Victor One e Pifo. "Meu primeiro contato foi em 2002, quando comprei um toy na Kid Robot [maior loja do gênero, norte-americana]. Depois do primeiro, nunca mais parei. Toda viagem que fazia para o exterior eu comprava um", conta ela, que diz ter mais de 200 peças em sua coleção.

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Foi o fascínio de Nina Sander que a levou a abrir a loja, que comercializa produtos importados e brasileiros, além de abrigar pequenas exposições e palestras. Entre os itens vendidos na Plastik estão bonecos Munny e Dunny, moldes que a empresa Kid Robot desenvolveu e que já foram customizados pelos ilustradores norte-americanos Gary Baseman -- que também trabalha com animação e já ganhou um prêmio BAFTA -- e Tara McPherson, responsável por cartazes de shows de artistas como Beck, PJ Harvey e Kraftwerk na última década. Nesses casos, a produção é diferente da executada por Pifo e Victor One. Os artistas são convidados a dar sua cara a um objeto que já existe.

Para o ilustrador australiano Nathan Jurevicius, um dos preferidos entre os admiradores de bonequinhos customizados pelo mundo, há duas categorias para o que se denomina toy art: peças "já projetadas e posteriormente decoradas por diferentes artistas" e peças "originais, feitas em edição limitada totalmente fabricada pelo artista".

Segundo ele, a segunda categoria pode ser chamada de arte, mas Jurevicius ressalta que em ambos os casos dizer que o boneco é uma peça artística depende do produto final e do que ele quer comunicar, visto que acredita que a arte em edição limitada é um conceito ocidental. "Conheço lugares no mundo, como o Japão, onde os produtos são valiosos pelo que representam e não pela quantidade deles que há no mercado", diz.

Dunia Quiroga, artista gráfica e editora de vídeo brasileira que também produz bonecos, tem opinião parecida: "Customizar um boneco em branco é como pegar um papel e pintar. A pessoa que modela tem um trabalho bem maior", explica.

Origem
Embora não seja inédito o uso de brinquedos como plataforma do trabalho de artistas, o termo toy art surgiu na China. Em 1997, em Hong Kong, o artista Michael Lau estava incumbido de criar a capa do disco de uma banda de amigos. Uniu seu gosto pelos bonecos G.I.Joe - produzidos pela empresa norte-americana Hasbro a partir de 1964 e no Brasil chamados de Comandos em Ação - à sua aptidão para o design e customizou cinco peças, representando cada membro da banda. No lugar das roupas militares tradicionais dos brinquedos, vestiu-os com peças que faziam parte de seu universo, mais ligado ao skate.

Divulgação
Matias
Nato, boneco da dupla Sincrônica, é pintado (acima); bonecos da série Munny customizados pelo grafiteiro carioca Godri, expostos na loja La Cucaracha, no Rio
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Essa ação desencadeou a mania de bonecos colecionáveis que ganhou adeptos na China e Japão, chegando até Nova York, onde se consolidou em 2002 com a criação da Kid Robot, uma das maiores empresas que lucram com a toy art. Fundada pelo designer Paul Budnitz, a Kid Robot funciona de modo industrial: contacta criadores, fabrica os brinquedos na China e exporta para o mundo inteiro. Atualmente, há quatro lojas físicas nos EUA e uma virtual (http://www.kidrobot.com).

Michael Lau, enquanto isso, trabalha com a criação de bonecos e a ele é atribuída a paternidade da atual tendência de customizar brinquedos, que recebem também a denominação 'urban vynil' (vinil urbano, em tradução livre), uma alusão ao material do qual é feito a maioria dos bonecos, o vinil, e ao fato de as peças representarem figuras urbanas.

Urbano e em Vinil
A denominação, no entanto, parece incoerente se levarmos em conta a produção categorizada como toy art atualmente. Na Plastik, por exemplo, são comuns bonecos feitos em pano, muitos deles brasileiros, e pelúcia. "Tem muita coisa sendo feita em pano [no Brasi], alguma coisa criativa, mas a maioria ainda é cópia de fora", opina Matias Maxx, dono da loja La Cucaracha, no Rio de Janeiro, que vende - entre livros, roupas e quadrinhos - bonecos customizados, e que sediou palestra do ilustrador Gary Baseman em janeiro deste ano.

Segundo Nina Sander, "o material [dos bonecos que comercializa] não é necessariamente vinil, pode ser plush, pano, plástico ou resina". As variações recebem críticas. Para o grafiteiro Pifo, "a questão do vinil é importante. Do contrário cai no artesanato, apesar de a linguagem e as influências serem outras", diz ele. Para Pifo, é interessante a possibilidade de fazer bonecos com outros materiais, pois "no Brasil não temos a cultura do vinil", mas, para isso, falta mais pesquisa. Os bonecos que cria em parceria com Victor One, que realiza todo o processo de modelagem, são feitos com uma massa automotiva que compram pela Internet (saiba mais sobre o processo de criação da dupla no vídeo acima).

Designer responsável pelo primeiro boneco brasileiro a ter produção em série, Alexandre Cruz - mais conhecido como Sesper - tem opinião parecida: "Toy art tem que envolver um processo", diz, e ressalta que há alguns bonecos feitos em outros materiais que considera interessantes. Sesper cria em parceria com o amigo Ricardo Ozzob, responsável pela modelagem.

Reprodução
Maxx, um dos primeiros bonecos feito pelo designer chinês Michael Lau, considerado precursor da denominada toy art
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Apesar da postura crítica, Matias Maxx também não se opõe às criações em pano. "A Debs Grahl, uma artista do Sul, faz os bonecos de pano mais bacanas que já vi", opina.

Assim como o vinil não é mais o material exclusivo dos bonecos, o caráter urbano dos G.I.Joes de Michael Lau também não é mais regra entre os designers de bonecos. Para a maioria deles, o importante na peça é a linguagem adulta, que dialogue com uma cultura diferente da dos bonecos tradicionais.

Nina Sander destaca o caráter irônico de muitos toys, caso da criação do artista Frank Kozik, o Smokin Bunny (Coelhinho Fumante, em tradução livre), coelho feito em molde delicado e com um cigarro na boca. A ironia se repete constantemente e hoje em dia há muitas versões de bonecos aparentemente inofensivos, mas com detalhes assustadores.

Cultura nova, valores altos
A inexperiência do mercado brasileiro de bonecos customizados não é refletida somente no produto final - que, aponta a artista gráfica Dunia Quiroga, "por causa da falta de dinheiro fica sem acabamento industrial" -, mas também na dificuldade em encontrar locais especializados no assunto e mesmo no valor cobrado pelas peças, irregular e muitas vezes alto se comparado a produtos vendidos no exterior.

De acordo com Pifo, o boneco feito por um artista "tem muito valor agregado, mas poderia ser mais acessível". A opinião é dividida com Sesper, que acredita que o "preço alto é bom para valorizar o trabalho do criador, mas no exterior é maior a possibilidade de adquirir um boneco a um bom preço, pois em muitos lugares essa cultura está consolidada". Sesper revela ter encontrado itens raros em lojas menores por preços bons, o que ainda é algo incomum no Brasil.

A galerista Nina Sander justifica os preços altos de alguns bonecos - que, na Plastik, variam de R$ 25 a R$ 2 mil - com a importação. "Por serem produtos importados, eles têm um preço um pouco acima dos que se encontram na [loja norte-americana] Kid Robot", diz.

Karime
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Detalhe de Smokin Rabbit, do norte-americano Frank Kozik (acima) e do Munny, boneco feito para ser customizado
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Para o dono da loja La Cucaracha, Matias Maxx, "é possível fabricar no Brasil, mas é necessário um investimento muito grande para um retorno lento, visto que, apesar da moda, ainda são poucas as lojas no Brasil que têm uma quantidade expressiva de bonecos".

Maxx, que classifica toy art como "uma escultura pop", conta que, mesmo pouco consolidados, os bonecos artísticos já são relativamente conhecidos. "Vendemos para todo tipo de 'freaks' e pessoas normais, já é algo que bastante gente conhece. Vendemos muito para presente também, especialmente o Munny", diz ele. Apesar de ter aproveitado a tendência da toy art - assim como a Plastik, a La Cucaracha abriga exposições e palestras -, Matias Maxx acredita que "não é a primeira vez que se fazem brinquedos pra adultos ou artistas customizam ou produzem bonecos próprios".

O australiano Nathan Jurevicius vai mais fundo na história do que se denominou toy art e revela acreditar que os brinquedos produzidos no Japão na década de 1960 são clássicos 'toy art'. "Também conheço brinquedos infantis da década de 1970 que envolvem uma produção cuidadosa e me parecem bem melhores que a maioria dos bonecos de designers que têm sido feitos atualmente", diz ele, em tom de crítica.

Sites relacionados:
Alexandre Cruz (Sesper) - www.flickr.com/photos/sesper
Carlos Eduardo Doy (Pifo) - www.flickr.com/photos/pifo
Dunia Quiroga - www.blogodedesenho.blogspot.com
Galeria Plastik - www.plastiksp.com.br
Kid Robot - www.kidrobot.com
Loja Cucaracha - www.cucaracha.com.br
Nathan Jurevicious - www.nathanj.com.au
Victor Armani Mikalonis (Victor One) - www.v-um.com