"Sempre há no mundo pessoas sob repressão", diz desenhista ao explicar sucesso de "V de Vingança"
Quando o roteirista Alan Moore e o desenhista David Lloyd começaram a criar a HQ "V de Vingança", em 1981, o futuro parecia sombrio. Na história, que se passa em 1997, a Inglaterra é um lugar terrível, onde há censura, câmeras por toda a parte e violenta repressão. Eis que surge um misterioso mascarado conhecido como "V".
Em março de 2006 estreou no cinema a adaptação de "V de Vingança", dirigida por James McTeigue e estrelada por Hugo Weaving e Natalie Portman. David Lloyd assistiu ao filme e gostou, mas ainda pára para pensar quando questionado sobre o motivo de a "V de Vingança" ainda fazer sucesso tantos anos depois de sua publicação. "É uma pergunta interessante."
Lloyd fica duas semanas em São Paulo para criar um livro sobre a metrópole, para o sétimo volume da série "Cidades Ilustradas", que leva artistas para ilustrar cidades brasileiras. Nesta segunda (27), haverá um encontro com ele na Universidade Mackenzie.
O britânico falou ao UOL sobre São Paulo, "V de Vingança" e a luta para que as histórias em quadrinhos sejam reconhecidas como uma forma de arte.
UOL - O sr. tem feito passeios para conhecer a cidade há alguns dias. Quais são suas impressões sobre São Paulo até agora?
David Lloyd - Fascinante, enorme. Ainda não sentei para consolidar tudo o que eu vi e anotei, mas há uma interessante mistura de diferentes tipos de imagens. Há um contraste enorme entre os ricos e os pobres, o que é muito triste. E há lugares impressionantes, como a Casa das Rosas e a Comunidade da Cratera (região da zona sul da cidade em que há uma depressão formada pela queda de um meteorito e povoada por um grande loteamento).
UOL - Se São Paulo fosse uma história em quadrinhos, de que gênero seria? Terror? Humor? De super-heróis?
Lloyd - Uma novela dramática, sem dúvida. Há personagens demais, sabores demais, há sons demais. É uma família, uma dinastia, teria que ser uma novela dramática.
UOL - O sr. viu o trabalho de algum quadrinista brasileiro?
Lloyd - Há muitos desenhistas brasileiros trabalhando para o exterior, conheço alguns deles. Estive com Renato Guedes (artista paulistano da DC Comics) e seu irmão, Jorge Correa Jr. O Renato é muito rápido, produz uma página e meia por dia. É simplesmente impressionante. Além disso, ele é muito talentoso. Tomara que ele mantenha esse ritmo. Nós temos que tomar conta de nós mesmos, de sermos capazes de trabalhar, e ele é rápido e talentoso. Estive também com o Mauricio (de Sousa), que é um homem impressionante, com um estúdio ótimo.
UOL - Os quadrinistas enfrentam, tanto aqui no Brasil como nos Estados Unidos, uma espécie de preconceito de que histórias em quadrinhos não são arte. Seria algo menor, para criança. Artistas escrevem prefácios e dão entrevistas quase que justificando o trabalho deles, como que tentando explicar o que é uma HQ. Como é na Inglaterra? Existe este tipo de preconceito? Os quadrinistas batalham por reconhecimento?
Lloyd - Acredito que lá seja ainda pior. Não há o grau de reconhecimento que existe nos Estados Unidos. Nem com Posy Simmonds (autora de "Gemma Bovery", recentemente publicada no Brasil), "Persépolis" (da iraniana Marjane Satrapi) ou Joe Sacco (quadrinista maltês que publica livros com reportagens em quadrinhos, como "Palestina - Uma Nação Ocupada"). Por mais que a classe média aprecie esses autores, não há o que mude o ponto de vista do "establishment".
Na França é completamente diferente, lá é visto como a nona arte. Eles têm Jean Giraud (artista que assina sob o pseudônimo Moebius) e Asterix. Mas lá é exceção. Já me disseram que na revolução cultural de 1968 a comunidade artística abraçou s quadrinhos e tudo mudou a partir daí. Isso não aconteceu na Inglaterra. A França é extraordinária. Quem sabe com o sucesso dos mangás (quadrinhos japoneses) comecem a perceber que há quadrinhos para adultos assim como há para crianças.
Eu odeio a idéia de que os super-heróis predominem tanto nos Estados Unidos, acho que limita demais. Não só os quadrinhos deles, mas toda a cultura deles. Eu particularmente acho que não é possível mudar uma cultura, acho que os norte-americanos sempre verão as histórias em quadrinhos como algo de super-heróis. Assim como na Inglaterra, não sei se mudarão de idéia sobre os quadrinhos serem uma arte como as outras. Não se muda uma cultura.
Por outro lado, todas as livrarias de hoje têm seções de "graphic novels" (no Brasil, álbuns de luxo). E as livrarias que ainda não têm, terão. Porque "graphic novel" é um livro.
UOL - O sr. e Alan Moore começaram a criar "V de Vingança" em 1981. São dois artistas britânicos criando para o mercado britânico uma história que se passa na Inglaterra. Como o sr. explica que hoje, 25 anos, a história ainda faça sucesso fora de seu país, em lugares como o Brasil, onde já foi editada em três ocasiões (1989, 1990 e 1999)?
Lloyd - É uma pergunta interessante. Me contaram que faz sucesso no Japão, e eu não sei se foi publicado em japonês! Por quê? Não sei! É um mistério! A origem dos personagens não importa: não existe nada atrás da máscara (do personagem V), exceto todos nós. As pessoas me perguntavam desde o início quem estava atrás da máscara, e a resposta sempre foi? Ninguém. Sempre foi ninguém.
E há a Evey (personagem da história ao lado de V, vivida no cinema por Natalie Portman). Ela é uma persnagem forte, e não há muitas histórias em quadrinhos estreladas por mulheres. E Alan (Moore) está de parabéns por isso, por ter criado tão bem a Evey.
O conceito básico da estrutura é que é uma história sobre repressão. Sempre há no mundo pessoas sob repressão, seja ela política, cultural ou outra. E nós sempre sonhamos que outra pessoa venha e lute por nós, que abra mão de tudo, família, amigos, tudo, e venha lutar por nós, por cada um de nós. "V de Vingança" fala de valores universais.
UOL - Confesso que minha próxima pergunta seria em que rosto o sr. imaginava por debaixo da máscara enquanto desenhava a história.
Lloyd - A máscara é V! Sempre foi!
UOL - O sr. gostou do filme? A adaptação ficou boa?
Lloyd - É um filme ótimo! Acredito que uma adaptação não precise ser exatamente igual. A Evey, por exemplo, é bastante diferente. Ela já é madura no filme. No livro, ela é inocente, e há o crescimento dela até a maturidade.
UOL - E que quadrinhos o sr. costuma ler?
Lloyd - Eu deveria ler, se tivesse tempo. Sempre me cobro isso, sempre prometo que vou mudar. Sou muito crítico, quando leio estou sempre pensando coisas como "poderia ficar melhor se..." ou "é OK, mas..." E eu não queria preencher todas as minhas prateleiras com livros e quadrinhos. Eu deveria abrir uma loja de quadrinhos, resolveria meus problemas! (risos)
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