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Mostra de Cinema de São Paulo é aberta com defesa da bandeira da resistência

17/10/2019 17h08

Nayara Batschke.

São Paulo, 17 out (EFE).- Com a proposta de construir pontes em um mundo de muros, a 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo tem início nesta quinta-feira para uma edição em que o combate à censura, à resistência e o estímulo ao diálogo e à empatia prometem roubar a cena.

Em uma politizada sessão de abertura, o lançamento do filme "Wasp Network", do diretor francês Olivier Assayas e que conta a história dos Cinco Cubanos - agentes da Inteligência de Havana que foram presos e condenados nos Estados Unidos por conspiração e espionagem em 1998 -, deu algumas pistas sobre o tom que marcará o maior encontro cinematográfico do Brasil.

"Resistir é a palavra. Onde quer que o autoritarismo se levante, a arte tem que se levantar e lembrar que ele tem que ir embora", afirmou o ator venezuelano Edgar Ramírez, um dos protagonistas de "Wasp Network".

No longa, Ramírez divide cenas com um elenco de peso, que traz ainda Wagner Moura, a espanhola Penélope Cruz, o mexicano Gael García Bernal e o argentino Leonardo Sbaraglia, que também esteve presente na sessão de inauguração, restrita a convidados.

A partir de hoje e até o próximo dia 30, milhares de cinéfilos poderão desfrutar de um catálogo composto por 327 filmes de 65 países, que inclui desde clássicos como "O Mágico de Oz" e "O Gabinete do Dr. Caligari " até os últimos premiados nos principais festivais mundiais, como "Parasita" (Cannes) e "Synonymes" (Berlim).

A Mostra de São Paulo dedicará uma especial atenção para as produções brasileiras este ano, em uma tentativa de criar uma ponte de diálogo como "um movimento que acredita que o cinema só existe a partir do conflito", segundo explicou em uma entrevista à Agência Efe a produtora e diretora do festival, Renata de Almeida.

Desde a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder, a classe artística brasileira tem levantado a voz para denunciar o "desmonte" do setor audiovisual e os cada vez mais frequentes casos de censura e cortes no orçamento destinado à produção cultural do país.

"Mais que um contra-ataque, porque eu não gosto dessa palavra, é uma resposta e uma tentativa de diálogo. Você fazer uma crítica não quer dizer que seja contra o país nem anti-patriótico", destacou Renata.

Entre as obras brasileiras que serão exibidas se destacam "A Vida Invisível", que retrata as ambições, desejos e angústias de duas irmãs no Rio de Janeiro, em 1950, e "O Juízo", um suspense onde os mistérios se espalham pela telona a medida que o público acompanha a nova vida de um casal e seu filho adolescente em uma antiga fazenda escravocrata.

Ambos os filmes contam com Fernanda Montenegro, que completou 90 anos nesta quarta-feira, no elenco.

Também será apresentado o longa "Pacarrete", vencedor do Festival de Gramado e que traz a história de uma professora aposentada que sonha em estrear um espetáculo de balé, e de "Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou", que marcou a estreia da atriz Bárbara Paz atrás das câmeras e recebeu o prêmio de melhor documentário no Festival de Veneza.

Segundo Renata, além do desejo de despertar uma maior empatia nos espectadores, em um momento-chave onde "as pessoas perderam o timing da reflexão", a Mostra tem também o objetivo de se opor a todo e qualquer tipo de censura.

"Censura é algo que não podemos aceitar e por isso tem que enfrentar, batalhar. E a classe artística, assim como a sociedade, está se mobilizando para evitar que isso volte", frisou Renata.

Depois de proporcionar duas semanas de intensa programação, o diretor Fernando Meirelles será o responsável pelo grand finale da Mostra, com a projeção da mais recente produção, "Dois Papas", que traz Anthony Hopkins e Jonathan Pryce nos papéis principais.

O longa explora um encontro fictício entre o papa Bento XVI e o papa Francisco, que devem encarar os próprios fantasmas do passado, além de lidar com as demandas do mundo moderno, para determinar os novos rumos da Igreja católica.

Meirelles destacou à Efe que, em tempos em que a extrema direita e o nacionalismo avançam em nível global, uma das questões centrais de seu filme é, justamente, a que permeia o duelo da "Igreja tradicional contra a Igreja reformista".

"Não sou muito religioso, mas eu sou muito alinhado com as ideias políticas do papa Francisco, que nosso presidente, nossos ministros odeiam, porque ficam com essa besteira de nacionalismo", disse.

Meirelles falou ainda que admira Francisco por sua inteligência de entender que, independente das medidas e soluções que serão adotadas no mundo, elas devem incluir a todos.

"Ele é uma das vozes mais importantes no mundo porque tenta construir pontes, enquanto essa outra turma tenta construir muros", concluiu o diretor de "Cidade de Deus". EFE