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Ator Carlos Vereza critica Bolsonaro por má administração da cultura

16/08/2019 15h40

(Corrige sétimo parágrafo)

Luís Lima.

Madri, 16 ago (EFE).- Um dos poucos artistas brasileiros que afirma abertamente ter votado em Jair Bolsonaro nas últimas eleições presidenciais, o ator Carlos Vereza avaliou negativamente a gestão cultural do presidente em entrevista à Agência Efe em Madri, onde apresentou o primeiro longa-metragem do qual é diretor, "O Trampo".

"Bolsonaro está levando mal a gestão cultural por preconceito dos seus assessores, não dele", disse o ator, que visitou o presidente durante a recuperação da facada sofrida em Juiz de Fora (MG) durante a campanha eleitoral, no ano passado.

"O fato de que votei nele não significa que eu seja um fanático. O seu partido o faz priorizar certas imagens militares, com as quais não estou de acordo. Não posso pedir a Bolsonaro que os seus ídolos sejam Baudelaire, Rimbaud ou Velázquez", argumentou.

Segundo Vereza, o presidente tem a percepção de que a cultura foi "muito mal utilizada e explorada de maneira incorreta" pelos governos anteriores e por isso foi ao extremo oposto.

"Ele tem um olhar um tanto sectário para a cultura, porque os artistas o criticaram fortemente. Acredito que ainda tem um rastro de vingança e acho que tem que ser mais flexível com a cultura", opinou.

Vereza reprova a intenção do presidente de transferir a Ancine, agência reguladora do cinema brasileiro, do Rio de Janeiro para Brasília. Segundo o diretor de "O Trampo", os profissionais que trabalham no órgão queriam ocupar os cargos na capital fluminense, e não no Distrito Federal.

Por outro lado, Vereza elogia o fato de Bolsonaro ter mudado de ideia sobre acabar com a agência, por, em sua visão, ele ter tomado consciência de que a Ancine não é culpada por ter sido má gerida anteriormente.

Sobre a lei de incentivo à cultura, conhecida como Lei Rouanet, Vereza pediu um teto maior de captação de recursos para os musicais, de até R$ 6 milhões, por se tratar de uma indústria com um custo de produção e manutenção mais alto que a do cinema.

"O limite passou de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão. Com este dinheiro, eu faço dois longas-metragens, mas quem faz um musical, não", comentou, fazendo alusão aos gastos com dançarinos e músicos.

Em linhas gerais, Vereza definiu o governo de Bolsonaro como muito bom. De acordo com ele, algumas medidas positivas, como a supressão dos impostos à importação de remédios contra o câncer e o HIV e o viés liberal na economia, com a intenção de privatizar empresas, "não saem na imprensa, que é de esquerda".

Vereza garantiu que não se arrepende "ainda" de ter votado no atual presidente, mas advertiu que pode mudar de ideia caso não goste do que o governo vier a fazer.

Depois de 60 anos de carreira como ator, Vereza estreou como diretor de um longa-metragem neste ano com "O Trampo", no qual também atuou e foi roteirista. Nesta semana, ele participa do International Film Fest (IFF), festival de cinema emergente em Madri.

A história de "O Trampo" relata o assassinato de uma juíza por parte de dois matadores de aluguel. O mais velho, interpretado por Vereza, enfrenta um conflito ético depois do crime.

O ator afirmou que o tema principal do filme reflete uma realidade ainda vigente no Brasil. "O Rio de Janeiro está repleto de assassinos. Você pode chamá-los de milicianos, como quiser", declarou.

"São assassinatos por encomenda, ou o que se chama de 'trampo pago' neste contexto", explicou Vereza, que negou que a história tenha qualquer referência a mortes como a da juíza Patrícia Acioli, em 2011, e a da vereadora e ativista dos direitos humanos Marielle Franco, no ano passado.

"O Trampo" concorre em três categorias do IFF: melhor filme em língua estrangeira, melhor trilha sonora e melhor cenário. Segundo Vereza, a estreia no Brasil será previsivelmente no primeiro semestre do ano que vem e que até lá a estratégia será exibi-lo em festivais internacionais. EFE