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Jesse Fernández, o fotógrafo errante que captou a latinidade com sua lente

18/07/2019 16h06

María Angélica Troncoso.

Rio de Janeiro, 18 jul (EFE).- A paisagem urbana e o retrato como elementos que falam da latinidade formam o núcleo da exposição "Errância e fotografia", uma mostra do falecido fotógrafo Jesse Fernández que chega ao Brasil para mostrar como este cubano de origem espanhola captou a essência da cotidianidade com sua lente.

A exposição estará aberta ao público a partir desta quinta-feira e até 21 de setembro na sede do Instituto Cervantes do Rio de Janeiro, para depois ser exibida em São Paulo e Brasília.

"'Errância e fotografia' é uma exposição que tem identidade e sentido por si mesma", explicou em entrevista à Agência Efe seu curador, o espanhol Fernando Castillo, porque reflete "o nexo de latinidade" dos diferentes países nos quais viveu e que Fernández visitou durante sua trajetória.

Cubano de nascimento, mas com identidade espanhola, Jesús Antonio Fernández foi um cosmopolita com alma de artista que começou a modelar seu sentimento com a pintura para se dedicar depois a transmitir a cotidianidade do povo nas ruas e a essência da alma nos seus retratos.

O fotógrafo, de pais espanhóis, nasceu em Havana em 1925, uma cidade que levou no seu coração mas que, em seus 60 anos de vida, nunca amou tão profundamente como à Espanha, como afirmou à Efe a francesa France Mazin, sua viúva e que está no Rio para coordenar os detalhes da mostra.

Fernández viveu em países tão distintos como Cuba, Estados Unidos (Nova York), Colômbia (Medellín), Espanha (Toledo e Madri), Porto Rico e França (Paris), e viajou por Guatemala, México, Venezuela e Itália, onde registrou a maioria das suas fotografias.

Por isso, Castillo, como curador da exposição, decidiu estruturar a exposição em módulos, cada um correspondente aos lugares onde o fotógrafo viveu ou visitou por trabalho, e dos quais são exibidos os registros que foram captados com seu olhar sobre a paisagem urbana e os retratos, sempre em preto e branco e negro, sob a linha da latinidade.

Fernández descobriu a fotografia na Colômbia, país que marca o antes e o depois de sua vida profissional.

Ali trabalhou ao lado de Gabriel García Márquez em uma agência de publicidade em Medellín, quando o escritor colombiano iniciava sua carreira como jornalista e muito antes de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura por "Cem Anos de Solidão".

"Ele chegou à Colômbia por necessidade. Era pintor e nesse país aprendeu fotografia através do que via nos carretéis", relatou Castillo.

Na Colômbia, além de García Márquez, a quem anos depois retratou em Paris, mas nunca no seu país natal, conheceu outros reconhecidos nomes das letras como Álvaro Mutis e Nicolás Suescún.

Castillo explicou que o fotógrafo cubano-espanhol começou com um trabalho muito indigenista nas selvas da Colômbia, onde buscou o exótico, um trabalho que continuou com menos intensidade na Guatemala e que no México desapareceu.

"No México já era um fotógrafo diferente, um fotógrafo mais urbano onde o exótico, se por acaso o registrava, é porque estava presente, mas já não o buscava", comentou.

Fernández sempre se mobilizou no mundo da arte e da intelectualidade, onde não só participou de debates intermináveis, mas registrou figuras de grande renome internacional, muitos deles, quando apenas engatinhavam em suas carreiras.

Os pintores Jackson Pollock e Salvador Dalí, o artista plástico Marcel Duchamp, o escultor Edgar Negret; os escritores Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Ángel Carpentier, Mario Vargas Llosa, Juan Goytisolo e Jorge Amado, e o cineasta Luis Buñuel, que foi um dos seus amigos mais próximos, figuram entre eles.

Fidel Castro, que também tem um capítulo especial na sua história pessoal e profissional, foi um ícone que brilhou e se desvaneceu rapidamente na lente do fotógrafo.

Fernández, que chegou a ser o fotógrafo oficial do ex-presidente cubano, deixou o líder socialista e o país caribenho após se dar conta da repressão exercida pela revolução, algo que nunca pôde compartilhar, uma história relatada em "Três Tigres Tristes", romance de Guillermo Cabrera Infante.

A última parada da mostra está dedicada a Palermo, o lugar onde Fernández realizou um trabalho nas catacumbas da capital siciliana, que séculos atrás esteve sob domínio espanhol.

A combinação de mundos latinos e o olhar para os elementos culturais comuns estão nessa série, segundo Castillo.

"Suas fotografias são quase uma pintura onde há um interesse pelo onírico, pelo transcendental, um interesse pelo sugerido que está em todas as fotos", ressaltou.

Após ser apresentada no Brasil, a mostra passará em breve pelos Estados Unidos, nas cidades de Nova York, Chicago e Boston. EFE