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Sul-coreanas abrem guerra contra o "molka", a pornografia de vingança

05/12/2018 10h00

Andrés Sánchez Braun.

Seul, 5 dez (EFE).- As sul-coreanas disseram "chega!". Com a frase "minha vida não é o seu pornô", elas declararam guerra ao chamado "molka", a febre de vídeos íntimos distribuídos - e às vezes gravados - sem o consentimento e que circulam abertamente por sites do país.

Os portais que exibem esses materiais reúnem vídeos sexuais postados a partir de imagens roubadas, feitas com dispositivos escondidos ("molka" é a contração das palavras "câmera" e "secreta" em coreano) ou mediante poderosas lentes profissionais que espiam às vítimas na intimidade de suas casas.

A pornografia sempre foi ilegal na Coreia do Sul, e esse é um dos fatores que tornaram a "molka" tão popular no começo dos anos 2000, conforme explicou à Agência Efe Park Soo-hyun, diretora da ONG Violência Sexual Digital (DSO), que combate a divulgação destes vídeos e presta apoio às vítimas. A proliferação dos smartphones, o fato de a Coreia do Sul ter a internet mais veloz do planeta e o baixo custo de câmeras fotográficas tornou mais fácil a camuflagem e levou ao novo apogeu do fenômeno.

"Sei que a pornografia de vingança é um fenômeno mundial, mas o fato de a sociedade sul-coreana ser especialmente patriarcal agravou a situação", afirmou ela.

Em novembro, o ministro de Justiça da Coreia do Sul, Park Sang-ki, teve que se pronunciar publicamente depois que uma petição online do site da presidência somou mais de 200 mil assinaturas em apenas três dias para solicitar, por exemplo, o endurecimento das penas contra quem distribui e grava esse tipo de conteúdo sem permissão.

A campanha online foi precedida por várias manifestações estimuladas pela força do movimento #MeToo e chegaram a ter a adesão de mais de 20 mil sul-coreanas em Seul, sendo consideradas o maior protesto feminino na história do país. Na ocasião, as participantes deixaram claro que estão cansadas de terem que se preocupar em vasculhar a cabine em busca de câmeras a cada vez que vão a um banheiro público, por exemplo.

O ministro admitiu em discurso que o fenômeno aumentou - só em 2017 foram contalizados 5.400 crimes relacionados ao "molka" - e prometeu que o governo fará uma emenda na legislação, já que apenas 7% dos condenados vão para a cadeia.

"As penas por violar direitos autorais são mais severas do que as aplicadas a quem divulga 'molka", disse a diretora da DSO, destacando que, embora as punições sejam de três a sete anos de prisão, muitas sentenças não são cumpridas.

A consistência do discurso ressalta a maturidade de alguém que tem apenas 21 anos. Segundo ela, quando era adolescente, muitas amigas e conhecidas foram vítimas de violações desse tipo. Isso fez com que começasse a se interessar pelo tema da educação sexual para adolescentes até que em 2015, com 18 anos, fundou a DSO.

No mesmo ano ela conseguiu fechar o Soranet, o maior site de conteúdo "molka" do país, mas a partir daí sua luta se tornou ainda mais complexa. Depois do Soranet, surgiram várias outras páginas e sites que podem inclusive ser acessados com conexão VPN para driblar o controle do governo na internet.

Além disso, a maioria desses sites funciona com servidores de fora do país, o que torna quase impossível a ação da polícia para suspender os conteúdos. Mesmo assim, ela e a DSO continuam se esforçando toda vez que uma vítima entra em contato. A organização, com sede em Seul, trabalha em três frentes: rastreamento de imagens na rede, contato com a polícia para a eliminação dos materiais (quando os servidores estão na Coreia do Sul) e assessoria legal e apoio psicológico às vítimas.

Mas Park disse não esperar muito dos planos de reformas do governo.

"As ações são importantes, mas as atitudes são mais. Na verdade, o maior desafio atualmente é conseguir que toda a sociedade coopere conjuntamente", defendeu.

Para ela, o debate sobre educação sexual nas escolas é vital para essa mudança, já que o currículo atual "é insuficiente inclusive na hora de transmitir empatia para as vítimas, já que muitos nem mesmo sabem que ao ver estes vídeos se tornam cúmplices de um crime".