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Pequim conserva passos dos primeiros missionários jesuítas na Cidade Proibida

22/07/2018 06h03

Rafael Cañas.

Pequim, 22 jul (EFE).- A capital da China ainda guarda vestígios da passagem dos primeiros missionários jesuítas, entre os quais se destaca a figura do espanhol Diego de Pantoja, homem-chave na divulgação da cultura chinesa no Ocidente.

No ano em que é lembrado o quarto centenário da morte de Pantoja e, apesar da passagem do tempo e do ritmo rápido de modernização de Pequim, em alguns lugares da cidade ainda é possível seguir os passos desses religiosos aventureiros.

Pantoja, que chegou a Pequim em 1601, foi o primeiro espanhol que entrou na Cidade Proibida - durante o período do imperador Wanli da dinastia Ming - e foi uma autêntica ponte entre ambas as culturas através de suas cartas à Espanha, seus trabalhos de transcrição fonética do chinês e as obras que escreveu em chinês para a corte imperial.

Nascido em Valdemoro (Madri) em 1571, Pantoja foi "um expoente da política de adaptação" dos missionários aos costumes do país hospedeiro para se integrarem melhor e promoverem a evangelização, disse à Agência Efe a chilena Andrea Mella, colaboradora do Instituto Cervantes de Pequim nos eventos do Ano de Pantoja.

Um dos lugares que mantêm a marca desses pioneiros é a catedral velha, construída originalmente em 1605. O edifício foi reconstruído várias vezes após terremotos e incêndios e fica na região de Xuanwumen, que agora está muito perto do centro de Pequim, mas, na época de sua construção, ficava nos arredores da cidade.

O templo, pequeno para uma catedral e de linhas barrocas, mas com uma decoração mais simples que a de exemplares europeus construídos na mesma época, é a igreja cristã mais antiga da China.

No seu lado oeste está o pátio quadrado cercado de casas modestas, tradicional de Pequim, onde ficavam os alojamentos de missionários e empregados chineses.

Imagens, estátuas e a loja de objetos religiosos mostram uma curiosa mistura de iconografia católica com influências orientais. A lembrança dos primeiros jesuítas de mais de 400 anos contrasta com um cartaz pendurado no templo com dois códigos QR para que os fiéis possam seguir a igreja nas redes sociais.

Outro lugar importante nesta busca é o antigo observatório astronômico, situado em uma das poucas ruínas conservadas da antiga muralha construída pela dinastia Ming.

No terraço é possível admirar oito enormes instrumentos de observação astronômica, como esferas armilares, um sextante e um quadrante, fundidos em bronze sob a supervisão dos missionários.

Os jesuítas conseguiram boas relações com a corte imperial chinesa graças, em boa parte, à astronomia, pois ajudaram a corrigir o calendário chinês e previram com sucesso vários eclipses com seus conhecimentos científicos.

Foi uma autêntica "diplomacia astronômica", pois, através dessa ciência, os jesuítas "puderam entrar e ficaram conhecidos na corte imperial", explicou Mella.

Entre os missionários de maior destaque estavam o alemão Johann Adam Schall von Bell e o flamengo Ferdinand Verbiest, que conseguiram cargos no alto escalão do Ministério de Ritos e Astronomia do império, inclusive como diretores do observatório.

Pantoja também dirigiu a construção de relógios solares, levou um clavicórdio à corte imperial e escreveu obras de geografia para explicar ao imperador como era o resto do mundo.

O lugar final onde é possível buscar evidências do exemplo dos missionários é aquele que foi sua última morada: o diminuto cemitério de Zhalan, construído expressamente para eles.

É um lugar difícil de visitar, pois está dentro do recinto de uma escola do governo da administração local de Pequim e é necessária uma permissão especial.

O italiano Mateo Ricci, idealizador da catedral, morreu em 1610 e Pantoja solicitou ao imperador um terreno para erguer um cemitério católico, uma autorização que foi concedida um ano depois.

Os sepulcros seguem a tradição chinesa de longas lápides com inscrições gravadas em latim e chinês e com o escudo da missão jesuíta - com a inscrição "IHS" - rodeado pelo dragão chinês, o símbolo do imperador, em seu topo.

O cemitério tem duas áreas, uma que abriga as sepulturas de Ricci, Verbiest e Schall von Bell, os três europeus de maior renome na corte. Na outra estão os túmulos de 63 missionários, a maioria europeus, sobretudo portugueses, franceses, italianos e alemães, embora também haja alguns chineses.

Os restos mortais de Pantoja, no entanto, não estão aqui, pois os jesuítas foram expulsos de Pequim temporariamente em 1616 e ele morreu em Macau dois anos depois.