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"Cinema proibido" marca primeira troca cultural entre as Coreias após reconciliação

15.abr.2017 - O ditador norte-coreano Kim Jong-un durante desfile militar em Pyongyang, na Coreia do Norte - Wong Maye-E/ AP
15.abr.2017 - O ditador norte-coreano Kim Jong-un durante desfile militar em Pyongyang, na Coreia do Norte Imagem: Wong Maye-E/ AP

Andrés Sánchez Braun

Da EFE, em Seul

17/07/2018 08h02

Propaganda norte-coreana em forma de comédia romântica ou fantasia: é o que foi exibido no Festival de Cinema de Bucheon, algo excepcional no território sul-coreano, onde é proibido passar filmes do país vizinho.

O evento, que será realizado até o dia 22 de julho, inclui neste ano três longas-metragens e seis curtas norte-coreanos na seção "A primeira carta de um país desconhecido", uma referência à profunda divisão que aflige a península desde 1945 e à posterior guerra, de 1950 a 1953, que aumentou ainda mais essa fratura.

Esta é a "primeira troca cultural" desde que as duas Coreias decidiram - na histórica reunião de abril - se reaproximar e trabalhar pela paz e a desnuclearização da península, segundo informou a organização do festival em texto enviado à Agência Efe.

Entre os longas escolhidos, apenas um é do gênero fantasia, "Pulgasari" (1985), conhecido por ser dirigido pelo sul-coreano Shin Sang-ok, que foi sequestrado pelo ex-líder norte-coreano Kim Jong-il, e por ter no elenco o japonês Kenpachiro Satsuma (que interpretou Godzilla em diversos filmes) no papel de monstro.

O festival também exibiu a comédia romântica "A Camarada Kim Quer Voar" (2012), uma das poucas coproduções (contou com capital e equipe artística belga e britânica) feitas na Coreia do Norte.

Ainda serão exibidos dois conteúdos inéditos na Coreia do Sul: seis curtas de animação sobre educação para o trânsito na Coreia do Norte e "Urijib iyagi" ("História da nossa família", 2016), um longa supostamente baseado em um caso real sobre uma mulher que adotou sete órfãs.

Esse último passará no domingo, ao ar livre, na praça da Câmara Municipal de Bucheon, cidade ao sudoeste de Seul.

"Estou pensando em ir lá para assistir. Nada me interessa menos que a propaganda norte-coreana, mas um evento assim no meu país equivale a mostrar vídeos de K-pop ou novelas sul-coreanas em um telão no centro de qualquer cidade norte-coreana", explicou a contadora Park Ji-seon, moradora de Seul.

A organização do festival lembra que "esta é a primeira vez que foi concedida permissão para uma 'exibição pública' dos chamados 'materiais especiais' (qualquer material de expressão que louve o sistema político do Norte, algo feito por todos os filmes escolhidos para o festival)".

"Isto pode ser considerado um avanço em comparação com as exibições limitadas que ocorreram anteriormente", acrescentaram os responsáveis pelo evento.

A lei de Segurança Nacional da Coreia do Sul, país que tecnicamente continua em guerra com o Norte, proíbe a exibição de quaisquer "materiais especiais". No entanto, o governo sul-coreano tem o poder de gerar autorizações em certos casos, como neste, por "motivos de troca acadêmica e cultural", conforme explicou um representante do Ministério de Cultura.

O funcionário lembrou também que o Conselho Cinematográfico Sul-coreano (KOFIC), dependente do Ministério, estabeleceu na semana passada um comitê especial formado por atores, diretores e produtores para potencializar as trocas com o Norte.

Entre futuros projetos, consta um no qual equipes sul-coreanas viajarão para o Norte para gravar e fazer coproduções, um âmbito explorado com sucesso apenas pela animação "Wanghu simcheong", de 2005.

Esse filme foi fruto de uma iniciativa similar na era de aproximação anterior (1998-2007) entre as duas Coreias e também resultado da extrema dedicação do diretor, o prestigiado animador Nelson Shin, que nasceu no Norte e mora no Sul.

Shin demorou oito anos para concluir um filme que paradoxalmente também refletiu os estragos da divisão, já que precisaram ser feitas duas dublagens diferentes para Norte e Sul devido às diferenças idiomáticas geradas por tantas décadas de separação.