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Um retrato íntimo, próximo e desconcertante de Saramago chega a São Paulo

03/03/2018 10h11

Nayara Batschke.

São Paulo, 3 mar (EFE).- A foto de um polêmico José Saramago exibindo as rugas do tempo e vestido com um "cinturão explosivo", granadas de livros e palavras a ponto de explodir, é uma das imagens inéditas que estão na mostra "Saramago - Os Pontos e a Vista", um "retrato íntimo" do escritor português.

A partir da próxima terça-feira, dia 6, o Farol Santander, em São Paulo, abre suas portas para uma espécie de "apartamento Saramago", onde cada um de seus 15 cantos proporcionam uma "exposição em primeira pessoa" de uma das facetas menos conhecidas do Nobel de Literatura de 1998, explica o curador da mostra, Marcello Dantas.

"Sua trajetória inquieta é o objeto dessa exposição. O que nos interessa, mais que a sua obra, é o cidadão, o observador, o amante, o solidário, o seu humor", revela Dantas.

Dezenas de objetos icônicos e pessoais do autor português, como o computador onde escreveu a maioria dos seus livros, um mimeógrafo e os óculos que simulam sua visão limitada, acompanham fragmentos audiovisuais, que convidam para uma viagem pelos sentidos e diferentes pontos de vista de Saramago em relação ao mundo.

"José Saramago passou os últimos anos de sua vida dentro de táxis e o que fizemos aqui, por exemplo, foi fazer a réplica de um deles. As pessoas podem subir e é como se estivessem conversando com ele", conta o curador.

A ideia de uma exposição sobre o o vencedor do Nobel começou em 2013, depois de uma visita de Dantas à casa dos Saramago, nas Ilhas Canárias.

O projeto tomou forma quando o curador descobriu que o cineasta português Miguel Gonçalves Mendes tinha um "poderoso acervo" de imagens e testemunhos do escritor, coletados ao longo de cinco anos para o documentário "José e Pilar".

Assim, os visitantes da exposição podem passar de uma narrativa em primeira pessoa para as reflexões de Saramago sobre a condição humana e as relações de poder, temas recorrentes na sua criação literária.

Os pontos e os olhares de Saramago são muitos e inconstantes. Além de escritor e desde o alto dos seus 1,90m de altura, ele também trabalhou como serralheiro, mecânico, agricultor e jornalista.

Essa "vivência de mundo" que trouxe consigo ao atravessar a porta do universo da escrita, comenta Dantas, permitiu ao português desenvolver uma visão múltipla e volátil sobre temas como a existência e os sentidos humanos, o tempo, Deus e a morte.

Ateu convicto e declarado, um dos paradoxos da obra de Saramago é, precisamente, sua relação com Deus. De fato, como confirma Dantas, um dos elementos mais presentes em sua obra é a "ausência onipresente de Deus".

O fato é que, através de armários, móveis, memórias, fotos e fragmentos retirados de páginas pertencentes a um legado de toda uma vida, o público pode conhecer e estar em contato direto com as idéias da mente que estavam por trás de um dos escritores mais controversos da cena literária.

Ao sair do centro cultural Farol Santander, os visitantes poderão afirmar que conseguiram desvendar, em uma dimensão única e próxima, um pouco da complexidade que acompanha a vida e obra de um dos grandes nomes da literatura mundial.

"No final da visita, as pessoas se sentirão, sem dúvida nenhuma, íntimas de um dos maiores escritores contemporâneos", garante Dantas.