Topo

Com origem no português, jovem tenta fazer renascer idioma em Cingapura

08/02/2018 06h01

Noel Caballero.

Bangcoc, 8 fev (EFE).- O kristang, idioma crioulo que surgiu há cinco séculos com a chegada de mercadores portugueses à Península da Malásia, resiste graças ao esforço de um linguista cingapuriano que descobriu a língua por acaso.

Kevin Martens Wong desconhecia a existência do dialeto - uma mistura de português e bahasa malaio, com elementos do mandarim - até 2015, quando estava escrevendo um artigo sobre linguagens com risco de extinção na região e encontrou uma pequena coleção de livros sobre o kristang.

"Conheci 14 falantes dispostos a compartilhar o que conheciam e tive a sorte de conseguir livros de gramática e dicionários, que tem um valor tremendo, já que as línguas minoritárias costumam carecer disso. Com eles, fui adquirindo uma rudimentar fluência no idioma", contou à Agência Efe o jovem pesquisador, de 25 anos.

A surpresa foi ainda maior quando ele descobriu que o idioma era usado pelos seus ancestrais.

"O kristang é a herança eurasiática da minha avó. Um idioma que só ela falava e que estava prestes a morrer. Não podia deixar passar", disse Wong, que estudou na Universidade Nacional de Cingapura e também fala alemão, espanhol e russo.

Ele ainda precisou esperar um ano, até fevereiro de 2016, quando conversando com um dos guardiães do tesouro "linguístico", Bernard Mesenas, ganhou coragem para começar a reviver o idioma através do ensino a outras pessoas.

Wong fundou então o Kodrah Kristang ("O despertar do Kristang") com intenção de revitalizar o idioma através de aulas duas vezes por semana. Atualmente, são cerca de 200 alunos e o curso tem famílias inteiras participando.

"E os alunos têm as idades variadas. O mais novo hoje tem 8 anos e o mais velho, 82 anos, que é a minha avó", contou ele, que também é cofundador da revista linguística "Unravel" ("Desvendar").

O idioma, que possivelmente chegou à Cingapura durante o século XIX vindo da Malásia, onde foi criado, foi se perdendo à medida que as famílias adotavam o inglês, a língua dos oficiais no então porto colonial britânico que era um autêntico fervedouro de culturas.

O golpe final aconteceu em 1959, quando o primeiro-ministro Lee Kuan Yew, considerado o pai da Cingapura moderna, determinou o estudo obrigatório do inglês "neutro" junto com um segundo idioma entre mandarim, malaio e tâmil, por causa da predominância de comunidades chinesas, malaias e hindus na região. O kristang passou a ser relegado ao uso pessoal.

Estes quatro idiomas continuam sendo os oficiais em Cingapura, para uma população de 5,6 milhões pessoas e uma das nações com maior nível de renda per capita.

Wong estimou que, atualmente, menos de 100 pessoas falam Kristang no país, e a sua iniciativa pretende conseguir que até 2045 de 100 a 150 famílias utilizem o kristang no cotidiano, "uma meta modesta, mas alcançável e realista".

"A ideia é conseguir com que as crianças falem, usem e gostem. Sem isto, o idioma morrerá", destacou.

A tarefa não é isenta de desafios. Em algumas ocasiões eles topam com palavras novas ou cuja tradução desapareceu. Nesse momento, preferem entrar em consenso de uma nova fórmula, misturando as raízes do idioma.

Se não conseguir cumprir o seu propósito, a Kodrah Kristang vai deixar como legados arquivos e documentos feitos com os conhecimentos dos falantes nativos para que a língua sobreviva pelo menos até o século XXII.

Em maio do ano de 2017, a iniciativa - que não tem apoio do governo - realizou o primeiro festival de kristang em Cingapura com discussões, oficinas e rodas de poesia. Na ocasião, foi apresentado um jogo de cartas para estimular o aprendizado.

"Minha avó já disse: definitivamente prefere as aulas de kristang às palavras cruzadas", declarou o rapaz com um sorriso no rosto.