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Equipe da "Folha de S.Paulo" se coloca na pele do outro para derrubar muros

01/02/2018 22h52

Carlos Meneses Sánchez.

São Paulo, 1 fev (EFE).- A equipe do jornal "Folha de São Paulo", que foi reconhecida nesta quinta-feira com o Prêmio Rei da Espanha de Jornalismo Digital, se colocou no lugar do "outro" para retratar "um mundo de muros", de "barreiras" que dividem e destroem a vida de milhões de famílias de refugiados, que abandonam tudo para sobreviverem sem nada.

A jornalista Patrícia Campos Mello é a representante de uma equipe de mais de 20 profissionais, entre repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, editores e programadores digitais, que descreveram através de uma perspectiva humana o drama dos refugiados ao redor de quatro continentes.

"Ir até lá e se colocar no lugar do refugiado permite ter mais empatia, entender o que passa pela cabeça dos refugiados, por que um refugiado faz o que faz, por que foge...", disse Patrícia em uma entrevista à Agência Efe na redação da "Folha", no centro da capital paulista.

A série de reportagens transporta o leitor, com uma apresentação inovadora e em diferentes formatos multimídia, até os muros que separam israelenses e palestinos; mexicanos e norte-americanos, e os estabelecidos entre Sérvia e Hungria, Quênia e Somália e, inclusive, no próprio Brasil, onde as barreiras são erguidas para esconder a pobreza.

"Onde existem muros, existem conflitos", comentou o fotógrafo Lalo de Almeida, que mostrou através de suas imagens a vida dessas pessoas que não migraram por "opção", segundo ele, mas por obrigação.

Para Lalo, o muro "aparece quando ninguém já acredita em nada, quando o diálogo fracassa, quando as políticas públicas não têm resultado" e não resta um mínimo de "tolerância", nem de "qualquer outro valor humano".

"Aí se constrói o muro", afirmou o fotógrafo, que, além disso, foi agraciado com o segundo prêmio no World Press Photo em 2017, na categoria "Questões Contemporâneas" por seu trabalho sobre as vítimas afetadas pelo vírus da Zika.

Em sua decisão unânime, os avaliadores do concurso destacaram o uso que a equipe da "Folha" fez de conteúdos 360º, drones e de toda a parte digital, algo que foi "essencial" para Patrícia, pois só assim foi possível "ter empatia" e mergulhar na narrativa e nas histórias pessoais.

"A ideia na edição era criar um sentido. A história era humana e as pessoas tinham que estar em primeiro plano, a questão política vinha em segundo. Era preciso abrir com a pessoa que sofre com o muro", comentou Victor Parolin, editor de vídeo da "TV Folha".

A parte digital foi responsabilidade de Angelo Dias e Rubens Alencar, entre outros, que montaram o quebra-cabeça com todo o material para que as histórias parecessem um todo.

Lalo e Patrícia ficaram especialmente impressionados com uma dessas histórias, a de uma família que fugiu a pé durante 17 dias pela Somália para atravessar o Quênia e que, no caminho, alguns de seus filhos morreram.

"Eles se alimentavam de folhas, folhas verdes e as cozinhavam. Andaram 17 dias passando fome para chegar a um campo de refugiados, onde lhes disseram que, em alguns dias, o mesmo seria fechado", descreveu Patrícia sobre Dadaab, o maior campo de refugiados do mundo no Quênia.

Para a editora Luciana Coelho, os muros, as barreiras e o ódio que são gerados em torno deste tema "só podem vir de um desconhecimento profundo" e de um preconceito em relação ao outro, "alimentado pela desigualdade social".

"Queríamos criar esse alerta no projeto", acrescentou a editora.

A jornalista Isabel Fleck, por sua vez, se encarregou de uma das crônicas que contou o drama das famílias na fronteira dos Estados Unidos com o México.

"Sempre se fala dessa fronteira, mas outra coisa é vê-la ao vivo e ver como as políticas do governo (do presidente Donald) Trump já estão tendo impacto nas cidades da fronteira", afirmou a jornalista.

Para Isabel, as esperanças de reverter essa situação são poucas. De fato, ela acredita que a situação "vai piorar" com Trump, um sentimento compartilhado por grande parte da equipe que participou da série de reportagens e que também encontrou no Brasil, muros de gesso, vergonha e ódio.

"No Brasil, também estamos acostumados com muros", garantiu o fotógrafo Lalo, ao lembrar o que existe na cidade de Cubatão, no interior paulista, onde os motoristas que se dirigem ao litoral do estado para aproveitar a praia não veem a favela onde vivem entre 20 e 30 mil pessoas por causa de um muro.

O prêmio, dotado com 6 mil euros e uma escultura do artista Joaquín Vaquero Turcios, corresponde à 35ª edição dos Prêmios Rei da Espanha, convocados anualmente pela Agencia Efe e pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID), do Ministério das Relações Exteriores da Espanha.

Os Prêmios Internacionais de Jornalismo Rei da Espanha são patrocinados pela OHL, um grupo internacional de concessões e construção.