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Morte de ídolo do K-pop faz ressurgir fantasma do suicídio na Coreia do Sul

23/12/2017 10h02

Andrés Sánchez Braun.

Seul, 23 dez (EFE).- A morte do cantor Kim Jong-hyun no último dia 18 colocou em evidência o enorme estresse mental que vários ídolos têm que suportar na Coreia do Sul e trouxe destaque para as altas taxas de suicídio de um país que se mostra cada vez mais obcecado pelo sucesso.

A multidão de fãs e jornalistas - sul-coreanos e estrangeiros - que acompanharam o funeral do artista em Seul, assim como a enxurrada de mensagens nas redes sociais escritas por usuários de todo o mundo, revelaram o caráter global que o K-pop alcançou na última década.

Junto com as novelas, esse gênero musical é uma das principais vertentes do fenômeno chamado "Hallyu", a "Onda Coreana", que fez a cultura popular contemporânea sul-coreana se expandir por todo o planeta.

O jovem cantor e seu grupo, o SHINee, foram sem dúvida um dos maiores expoentes desse fenômeno e se tornaram embaixadores do extraordinário avanço econômico que a Coreia do Sul experimentou nas últimas décadas.

Agora, a morte de Kim Jong-hyun mostra o outro lado do brilho projetado pela indústria do entretenimento sul-coreana, famosa pela exigência sobre-humana que impõe às suas estrelas, algo que reflete perfeitamente a crescente pressão que os jovens sul-coreanos encaram.

Kim, de 27 anos, morreu depois de inalar fumaça de pastilhas de carvão do "yeontan". Essas pastilhas, que na Coreia do Sul são usadas em churrasqueiras de restaurantes e nas casas que ainda mantêm antigas estufas, é, infelizmente, um dos meios mais usados para os suicídios no país.

O principal vocalista da SHINee deixou uma carta de despedida que evidencia toda a aflição que o jovem sentia. Nela, Kim conta o esforço que fez para conquistar a fama, cujo peso era incapaz de suportar e, principalmente, a profunda depressão que sofria e a falta de ajuda médica e psicológica com a qual se deparou.

De acordo com Jeff Benjamin, editor do site "Fuse" que há anos acompanha a cena do K-pop, a indústria da música é muito dura independentemente do país, mas, na Coreia do Sul, isso parece ser mais forte.

"Dá a impressão de que ser alguém normal na sociedade sul-coreana já é muito difícil em termos gerais, dada a cultura de enorme pressão que existe em nível educacional e profissional", afirmou o especialista, lembrando que a Coreia do Sul é uma das poucas nações desenvolvidas onde a quantidade de suicídios aumentou nas últimas décadas.

Dados recentes mostram que o país tem a taxa de suicídio mais alta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). São 30 casos por cada 100 mil habitantes, um índice que triplicou nos últimos 25 anos, no embalo do sucesso econômico do país.

O crescimento experimentado depois do fim das juntas militares e do colapso financeiro de 1997 deu origem a uma das sociedades mais competitivas do mundo, onde a pressão atinge também os mais jovens: o suicídio é há tempos a primeira causa de morte entre os sul-coreanos com idades entre 10 e 30 anos.

Os apelos para melhorar as condições de trabalho dos astros do K-pop após a morte de Kim Jong-hyun não param de surgir e são feitos tanto por nomes da indústria musical quanto por fãs.

Uma petição aberta por Leslie Quinde, uma fã da Costa Rica, na plataforma Change.org já tem quase meio milhão de assinaturas pedindo um compromisso de empresários, gravadoras e do governo sul-coreano para garantir a saúde mental dos artistas.

Para o editor do "Fuse", esta tragédia forçará muitas companhias, organizações e indivíduos a tratarem o problema da saúde mental. Segundo ele, algumas agências, como a Fantagio, que tem em seu catálogo grupos como ASTRO e Hello Venus, já dão prioridade ao conforto psicológico de seus artistas.

Uma verdadeira mudança no seio da indústria poderia ser um primeiro passo para começar a melhorar uma questão que afeta não só os famosos, mas muitos cidadãos do país asiático e que, até hoje, vem sendo tratada como tabu.

Nesse ponto os números são reveladores. Conforme a última pesquisa do governo sobre o tema, um de cada quatro sul-coreanos afirma que já teve algum tipo de transtorno mental, mas só um de cada dez buscou ajuda.