Decisão de Putin provoca motim entre minorias linguísticas russas
Ignacio Ortega.
Moscou, 29 set (EFE).- O presidente da Rússia, Vladimir Putin, provocou um motim entre as minorias linguísticas do país ao ordenar que apenas o ensino de russo seja obrigatório, determinando que o estudo das demais línguas minoritárias do país seja voluntário.
"Obrigar uma pessoa a estudar um idioma que não é sua língua materna é inadmissível, da mesma forma que reduzir o nível e as horas de ensino de russo. O russo é carcaça espiritual do nosso país multinacional. Todos devem conhecê-lo", afirmou Putin em uma visita à república de Mari El, cuja língua de origem é o finlandês.
Putin destacou que mais de uma centena de línguas minoritárias na Rússia são "parte inalienável da identidade cultural" dos diferentes povos que moram no país e que seu estudo é garantido pela Constituição, mas determinou que o ensino deve ser "voluntário".
O presidente não se limitou a isso. Ordenou que a Procuradoria-Geral abra uma investigação nas diferentes regiões para comprovar se o russo está perdendo espaço nos programas escolares em benefício de línguas como o tártaro e o bashkir.
"Chamo a atenção das lideranças regionais", destacou Putin, que deu até 30 de novembro para receber relatórios sobre o caso.
As declarações provocaram um terremoto social em regiões como Tartaristão, Bascortostão, Tchuváchia, Altai, Buriácia, Komi e Calmúquia, que têm amplas minorias étnicas.
"Nós cumprimos as leis federais. Segundo a Constituição tártara, temos duas línguas oficiais: russo e tártaro. Do meu ponto de vista, o presidente não se referia ao Tartaristão", afirmou o ministro de Educação da república autônoma, Engel Fattakhov, em um claro gesto de desobediência à determinação de Putin.
Os tártaros, a minoria mais numerosa do país com mais de cinco milhões de pessoas, defendem que a Constituição da região foi aprovada em 1992, logo depois da queda da União Soviética e antes da formação da Federação Russa. Nesta Carta Magna está previsto que ambos os idiomas devem receber o mesmo tratamento.
Um grupo de escritores tártaros escreveu recentemente a Putin para que reconsidere sua decisão, que classificaram como uma "bomba instalada no coração da Rússia" e uma "ameaça para a cordialidade étnica escorada ao longo de séculos".
Na carta, os escritores disseram que a não obrigatoriedade do estudo do tártaro solaparia a identidade nacional e condenaria o futuro de tal língua, ao restringi-la exclusivamente ao uso familiar, já que apenas três milhões de pessoas dominam esse idioma de origem turcomana.
Por outro lado, as famílias que falam russo denunciaram uma situação de fragilidade diante da "ditadura da língua tártara". Os estudantes têm que estudar o idioma por duas horas semanais na pré-escola e por seis no ensino fundamental.
Os pais criticam que o tempo investido é muito grande em um idioma que seus filhos não necessitarão a partir dos 15 anos.
"Quando meu filho entrou na escola topamos com o problema da redução do número de aulas de russo e literatura. Ao invés de cinco aulas de russo, ele passou a ter três. E, em literatura, elas caíram de quatro para duas", disse Edvard Nosov, chefe de um conselho de pais que falam russo em uma escola do Tartaristão.
Por esse motivo, muitos pais têm recorrido à procuradoria para denunciar a postura das autoridades locais. Alguns já entraram na Justiça com pedidos para que seus filhos sejam liberados do estudo de tártaro.
No Bascortostão, as autoridades não hesitaram em tornar da noite para o dia o ensino de bashkir em voluntário. Os protestos contra a decisão seguiram o mesmo padrão e não demoraram a ocorrer.
Mais de mil pessoas se reuniram recentemente na capital da região, Ufá, para pedir a volta da obrigatoriedade do idioma. O escritor local Fliur Galimov acusou Putin de violar a Constituição e alertou o presidente sobre possíveis episódios violentos.
"Se essa chama arder será impossível de extingui-la e os rios vermelhos poderiam começar a fluir", escreveu Galimov.
O Conselho de Idosos da Tchuváchia considerou a declaração de Putin como um "novo ataque" contra as línguas indígenas da Rússia. O romancista Anatoly Kibech acusou o Kremlin de enfraquecer o país internamente, já que o russo é a língua mais falada pela população.
"Nenhuma das línguas vernáculas representa uma ameaça para integridade territorial da Rússia. Pelo contrário, os representantes dos povos indígenas são os mais patrióticos e pró-russos do que as pessoas que ignoram as culturas nativas", indicou Kibech.
Na república siberiana de Buriácia, o estudo da língua regional é voluntário desde 2014, da mesma forma que em Altai. Já na Calmúquia, junto ao Mar Cáspio, o ensino do idioma local é obrigatório.
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