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Springsteen busca na literatura "honestidade" que a música não alcança

Guillermo Ximenis

Da EFE, em Londres

19/10/2016 06h01

O cantor Bruce Springsteen encontrou na literatura a "honestidade" que nem sempre conseguiu refletir em músicas de poucos minutos. Foi a explicação que ele deu para jornalistas, em um encontro em Londres, para seu livro "Born to Run", uma autobiografia com quase 600 paginas de revelações. O norte-americano de 67 anos foi ao Instituto de Arte Contemporânea de Londres, usando uma jaqueta de couro preta e óculos, para ler algumas passagens do livro.

Diante de um pequeno auditório, o artista admitiu estar mais acostumado com os shows em grandes estádios do que com o trabalho literário de escrever memórias, atividade que levou sete anos para ser concluída. "Não há ninguém para te aplaudir quando você acaba de escrever", disse aos risos.

"Muitas das minhas músicas, inclusive aquelas que as pessoas acreditam ser muito pessoais, como no álbum 'Tunnel of Love', têm por trás um trabalho de imaginação. Na realidade, me coloquei no lugar de outro e imaginei como seria a vida. Inventei muitas coisas para as minhas canções", confessou.

No livro, Springsteen revela aspectos privados como o orgulho da mãe, que começa a sentir os sintomas de Alzheimer, e como teve que aprender a cuidar dos filhos em meio à falta de uma referência adequada no próprio pai. "Escrever foi uma oportunidade para entrar mais detalhadamente na complexidade das relações pessoais. Certamente, pude fazer isso com meu pai, cuja vida foi muito mais complicada do que retratei através da música".

Sem planos para outro livro

Com o Nobel de Literatura 2016 concedido a Bob Dylan, Springsteen quis evitar comparações e abriu a conversa dizendo que entre seus objetivos não está a glória literária.

"Há uma grande diferença. Bob é certamente um poeta, eu sou um viajante que trabalha duro. Dylan foi um escritor muito influente. Muito depois que todos nós sejamos esquecidos, o trabalho de Bob continuará soando alto e claro", afirmou o músico, que considera "altamente improvável" lançar um segundo livro após a autobiografia.

Born To Run - Divulgação - Divulgação
Capa de "Born To Run" (2016), autobiografia de Springsteen
Imagem: Divulgação

Mesmo assim, Springsteen não esconde a admiração por Philip Roth, romancista americano que para alguns críticos tinha mais méritos que Dylan para levar o Nobel. Entre as influências que o inspiraram nos últimos anos, além de Roth, o músico cita Dostoievski e Tolstoi, em cujas obras encontra a "complexidade psicológica" que tentou refletir em suas memórias.

Ao mergulhar na infância, Springsteen disse que sonhava em se tornar uma estrela do rock desde que tem memória. "Tinha um sonho em que Mick Jagger ficava doente antes de um show em Asbury Park e os Rolling Stones precisavam de mim para ir ao palco", comentou entre risos Springsteen, que cresceu em uma casa humilde de Nova Jersey.

O músico admite que o livro não revela "tudo" sobre sua vida, mas que mantém o compromisso de se "abrir ao leitor". Segundo ele, a biografia será particularmente interessante para os fãs que quiserem compreender melhor a origem de suas letras.

"Born to Run", o livro, se aprofunda, entre outras questões, na educação religiosa que ele recebeu até os 13 anos e na grande influência que conceitos católicos como "redenção" e "glória" tiveram em sua criação.

"Quando você tem seis anos e está no primário, na aula de religião, a primeira coisa que te apresentam é a Bíblia, com seu incrível mundo de poesia obscura, prazer, sofrimento, alegria, profunda tristeza e felicidade", detalhou Springsteen, que continuou a utilizar esses conceitos em quase cinco décadas de carreira musical.