Topo

Trump é encarnação monstruosa da indiferença em relação ao governo, diz Ford

18/10/2016 17h28

Oviedo (Espanha), 18 out (EFE).- O escritor americano Richard Ford afirmou nesta terça-feira que o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, constitui "a encarnação feia e monstruosa da indiferença em relação ao governo" dos compatriotas desde que o país foi fundado.

"Os americanos querem que todos os demais sejam governados, menos eles mesmos. Como filosofia, pensar que o governo é a fonte de todos os males é uma noção desastrosa", afirmou Ford durante entrevista coletiva em Oviedo, no norte da Espanha, dois dias antes de receber o Prêmio Princesa das Astúrias das Letras 2016 das mãos do rei Felipe VI.

O autor de "O cronista esportivo", que disse que precisaria de várias horas para analisar o fenômeno Trump, se mostrou convencido de que não há chances de ocorrer uma vitória do candidato republicano sobre a democrata Hillary Clinton.

Ford comentou que o problema em seu país é que "há uma grande falta de interesse e apoio" ao próprio governo por parte de uma população na qual os seguidores de Trump são minoria, mas alertou sobre o que pode ocorrer posteriormente.

"Alguém vai chegar e aproveitar esse sentimento, alguém mais inteligente e melhor demagogo, mas ninguém sabe o que vai ocorrer com essas pessoas que pensam que Trump é estupendo", acrescentou.

O grande romancista de histórias cruzadas da sociedade americana, premiado pelo olhar "sombrio e denso" sobre a vida cotidiana de seres anônimos e invisíveis que unem "a desolação e a emoção", também reiterou sua postura favorável à concessão do Nobel de Literatura ao cantor Bob Dylan.

"Não vejo nenhum lado ruim. Há mais de 60 anos e, com o que escreve, ele mudou a situação dos Estados Unidos e do mundo. Se isso não é literatura, o que é literatura?", refletiu.

Ford lamentou que a falta de leitores e o aspecto econômico limite a difusão das crônicas com as quais ele começou na literatura e que o levaram ao patamar de "herdeiro de Hemingway", rótulo que sempre rejeitou.

"Acho que o ambiente no mundo das editoras não mudou para que escrevamos contos, mas sempre haverá pessoas como Raymond Carver ou eu, que escrevem histórias curtas, portanto há a esperança de que sigam escrevendo", analisou.

O escritor disse desconhecer por que, apesar da presença de vários personagens femininos em sua obra, os protagonistas costumam ser masculinos, questão que em uma página só se diferencia "em um pronome". Na opinião do autor, homens e mulheres "são mais similares do que diferentes".

Para Ford, que optou por residir em várias cidades dos EUA - decisão compartilhada com a esposa, Kristina - para não "se fixar" em nenhum lugar, conhecer seu país e quebrar "o teto de vidro" dos autores com uma "identidade regional", ninguém sabe as regras para se fazer um romance e ninguém pode ensiná-las.

"Ensino na Universidade de Colúmbia a pessoas que querem ser escritores, mas não ensino a escrever, ensino a ler", disse o habitual candidato ao Nobel, nascido em 1944 na cidade de Jackson, capital do Mississippi.

Ford teve uma infância dura após a morte do pai quando tinha 15 anos e passou a trabalhar em ferrovias, antes de se formar em literatura.

O autor de "Canadá" foi indicado para o Princesa das Astúrias por John Banville, Antonio Muñoz Molina e Sigrid Rausing e sucede assim o cubano Leonardo Padura, premiado em 2015, três anos após Philip Roth, o último americano em receber o prêmio, em 2012.