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Pintura americana que mudou rumo da arte nasceu da quebra da bolsa em 1929

17/10/2016 06h08

Cristina Maymó.

Paris, 17 out (EFE).- A quebra da Bolsa de Nova York em 1929 não deu início apenas a uma década de pobreza, fome e desemprego nos Estados Unidos, mas foi também ponto de virada para a pintura do país, que em dez anos encontrou um estilo próprio que mudaria a história da arte.

O período entre a Terça-Feira Negra e a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, em 1941, foi um "laboratório" para a arte americana, explicou à Agência Efe Laurence des Cars, diretora do Museu da Orangerie de Paris, que inaugurou uma exposição dedicada ao tema.

Os artistas, confrontados a uma crise econômica, social e moral sem precedentes, começaram a questionar os valores nacionais e se desamarraram das influências europeias.

No final da década, já tinham criado uma arte moderna "propriamente americana, que foi a que dominou o mundo a partir dos anos 50", segundo Laurence.

Quase 50 dessas obras ficarão expostas até 30 de janeiro de 2017, entre elas várias de Edward Hopper, uma de Jackson Pollock, e "American Gothic" do regionalista Grant Wood, joia da mostra e considerada a "Mona Lisa" americana, que cruzou o Oceano Atlântico pela primeira vez para a ocasião, segundo a diretora.

Embora os estilos destes e outros artistas do momento tenham sido muito diferentes, suas temáticas eram muito parecidas. Com uma indústria minada pela crise econômica, pintores como Charles Sheeler e Charles Demuth inauguraram a década imortalizando fábricas, enquanto outros como Joe Jones e Alice Neel retrataram a mão de obra barata.

Agricultores desapropriados do sul do país e campos semeados de miséria protagonizaram as telas de Wood, Marvin Cone e Thomas Hart Benton, que poderiam ter ilustrado o livro "As Vinhas da Ira" (John Steinbeck, 1939).

Segundo Laurence, a mostra ilustra nem tanto de uma forma de retratar os EUA dos anos 30, mas do estado de ânimo do país naquela época. Poucos anos depois da quebra, uma sociedade ávida por esquecer o dia a dia se serviu do mundo do espetáculo, do cinema e da música para se distrair.

Pincéis como os de Edward Hopper e William H. Johnson refletiram então a vida boêmia e uma incipiente transgressão das fronteiras entre classes e raças.

Coincidindo com o bicentenário de George Washington em 1932, e desorientados por um presente decadente, alguns artistas voltaram também o olhar para o passado para tentar glorificar a história da sua jovem nação. O surrealismo deu espaço a pinturas introspectivas, e artistas de esquerda como Joe Jones e Philip Guston encontraram na pintura um meio de protesto contra as perseguições do Ku Klux Klan e o bombardeio de Guernica durante a Guerra Civil espanhola.

O percurso pela mostra termina com "Gás" (1940) de Hopper e "Untitled" (1938-1940) de Jackson Pollock, que anunciam os polos da pintura de pós-guerra que estava ainda por vir. Enquanto Pollock usou do realismo para retratar um posto de gasolina, reflexo da cultura comercial moderna que inspiraria a Pop Art 20 anos depois, a abstração de "Untitled" foi a pedra fundamental de um expressionismo abstrato ainda emergente.

Assim, depois de dez anos, a arte moderna americana encontrou uma identidade estilística e temática.

A exposição será apresentada também em Londres entre fevereiro e junho do ano que vem.