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Único museu de Che Guevara em Buenos Aires é mantido em pitoresca lojinha

05/10/2016 10h08

Irene Valiente.

Buenos Aires, 5 out (EFE).- Uma estátua em tamanho real de Ernesto Che Guevara com sua boina na cabeça e um charuto na boca pisando em uma bandeira americana na entrada de um curioso estabelecimento em Buenos Aires e em meio a centenas de miudezas é um dos itens do que resta do único museu dedicado ao guerrilheiro na cidade.

Eladio González Rodriguez, mais conhecido como "Toto", é um argentino de 73 anos declaradamente apaixonado pelo povo cubano e dono de uma pitoresca lojinha no bairro portenho de Caballito, mais especificamente na rua Rojas, no número 129, onde vende e compra todo tipo de quinquilharia usada que enche o chão e as paredes até o teto, quase não deixando espaço para a circulação.

Lá, Eladio faz sua particular homenagem ao revolucionário ícone, nascido em Rosário, em uma vitrine onde mostra segredos e imagens de sua vida particular, assim como uma réplica da motocicleta de Alberto Granado com a qual os dois amigos percorreram a América Latina, cartazes, medalhas, placas e várias curiosidades.

Dentre esses itens, alguns chamam atenção, como um pequeno frasco com terra de La Higuera, a cidade boliviana onde Che foi fuzilado, e outro com areia da Baía dos Porcos, onde aconteceu a fracassada invasão americana da ilha em 1961, na qual dois anos antes Fidel Castro tinha tomado o poder.

Tudo isso está rodeado de várias lembranças do primeiro museu sul-americano de Che, montado pelo próprio Toto e sua mulher, Irene Perpiñal, em 1996, a poucas ruas da atual loja.

O local funcionou como ponto de encontro de "gente comum" de todas as ideologias que queriam ajudar Cuba até 2002, quando o casal se viu obrigado a fechá-lo pela complicada situação política e social que a Argentina atravessava.

A história da origem do museu remonta a 1992, quando o casal viajou a Cuba e Eladio foi doar sangue para um jovem policial. O ato emocionou os cubanos, que começaram a escrever cartas para ele agradecendo seu gesto despretensioso.

"Me agradeciam dizendo que lembravam de Che e depois de mais de 1.000 mensagens eu já estava saturado, as pessoas falaram tanto, parecia que eu tinha passado por uma lavagem cerebral" contou ele, acrescentando que "não conseguiu evitar" e "decidiu montar o museu".

Apesar de não ter conhecido nem lido suas ideias, Toto estava "apaixonado pelo amor do povo cubano" por Che e da "entrega" daquele estrangeiro incansável "para a felicidade deles".

Rodeado de discos, livros, figurinhas, instrumentos musicais, brinquedos e alguns objetos raros - como máscaras sinistras do presidente da Argentina, Mauricio Macri, ou de sua antecessora Cristina Kirchner -, seus olhos brilham quando fala de Che, definido por ele como um "filósofo e dedicado a quem não tinha nada e que era movido pelo amor".

"Ele não usava luva para tocar em uma pessoa com hanseníase, não pensava em sua vida para si porque tinha a certeza de que a nossa vida não é nada se não a damos aos demais", comentou.

Por isso, quando fechou o museu, viu que era preciso transferir parte do que abrigava por lá para tentar "manter a memória" do guerrilheiro. Os demais materiais, principalmente os de maior valor, ficaram em um depósito durante quatro anos até ele que ele decidiu doá-los às Mães da Praça de Maio, que até hoje os mantêm guardados.

Ao ser perguntado sobre a icônica foto de Che feita por Alberto Korda, a imagem mais reproduzida na história da fotografia, ele conta que quando jovem "nunca" gostou dela porque sempre a via nas manifestações com aquele semblante "aterrorizado", mas sua visão mudou quando descobriu que a foto foi feita em 5 de março de 1960, dia em que o guerrilheiro se juntou a um cortejo fúnebre realizado pelos cerca de 100 mortos em um atentado a uma embarcação no Porto de Havana, ocorrido um dia antes.

"Se você notar, essa foto é o rosto da tragédia, o rosto da brutalidade, o rosto de ver consumada uma coisa desumana como é um atentado terrorista", ponderou.

Eladio acredita que em muitas ocasiões a história de Che foi manipulada e acredita que, quando ele é tachado de criminoso ou assassino, o objetivo é "não expandir os sentimentos de milhões de Guevaras que existem no mundo" e conseguir que a juventude não aprenda sobre alguém que é "perigosíssimo" porque "ensina o amor".

Para ele, "revolucionário" é aquele que "se indigna com o soco dado em qualquer ser humano, em qualquer lugar do mundo: Esse era Guevara", concluiu.