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Idioma dos sefarditas, ladino luta para sobreviver na Bósnia no século XXI

31/01/2016 10h02

Tariq Jablic.

Sarajevo, 1 fev (EFE).- O ladino, idioma dos sefarditas muito semelhante ao castelhano, sobreviveu na Bósnia a inumeráveis guerras, à queda de impérios e ao Holocausto nazista, mas são muito poucos os que falam uma língua que tem a memória dos judeus expulsos da Espanha e que luta para continuar a existir no século XXI.

"Acredito que em toda a região da antiga Iugoslávia não há mais de 20 ou 30 pessoas para as quais o espanhol é idioma materno", disse à Agência Efe Moris Albahari, aposentado de 85 anos e um dos quatro sefarditas em Sarajevo que falam o idioma.

O judeu-espanhol, que nas terras balcânicas teve influência do turco e das línguas eslavas, era falado em Sarajevo por um a cada cinco moradores.

A maioria dos mais de 12 mil judeus bósnios foi assassinada no Holocausto. Desde então, o idioma foi usado pelas famílias sefarditas dentro de casa.

Na Bósnia vivem agora 1.000 judeus, metade deles em Sarajevo, e em sua grande maioria são sefarditas.

"Só falávamos em casa, entre nós. E como os velhos morriam, assim ele desapareceu pouco a pouco", disse Albahari.

O conhecimento da língua de seus antepassados salvou a vida de Albahari durante o Holocausto, e suas lembranças serviram para a gravação de um documentário chamado "Saved by Language" ("Salvo pelo Idioma"), dos cineastas americanos Susanna Zaraysky e Bryan Kirschen.

"Todo o filme é um hino ao idioma, que pouco a pouco foi se perdendo, e nós, na Bósnia-Herzegovina, tentamos protegê-lo, preservá-lo", afirmou à Efe Jakob Finci, presidente da comunidade bósnio-judaica.

"Possivelmente a partir do próximo ano letivo haverá na Faculdade de Filologia de Sarajevo cursos alternativos do idioma ladino e de sua cultura", anunciou.

Albahari lembra sua infância em uma parte velha de Sarajevo que abrigava a comunidade judaica e na qual havia uma fábrica de chocolate em cujo pátio ele brincava com outras crianças, que pediam guloseimas com frases como "echan una bombonica para mí" ("me dê um bombonzinho").

No início da Segunda Guerra Mundial, em 1941, o jovem Albahari conseguiu evitar, com a ajuda de um antigo professor, ser levado para um trem que transportava judeus para campos de concentração.

Sozinho e perdido, ele foi encontrado por soldados italianos com os quais pôde se comunicar em ladino e que o ajudaram. O idioma lhe salvou a vida.

Dois anos mais tarde, como membro de unidades partisanas antifascistas iugoslavas, com seu conhecimento do idioma sefardita, ele pôde salvar a vida de pilotos americanos, um deles de origem hispânica, que buscavam ajuda em um monte bósnio após a queda do avião em que estavam.

Durante a guerra na Bósnia, de 1992 a 1995, muitos judeus deixaram o país, mas os que ficaram, como Albahari, tentaram preservar seu idioma.

"Estudávamos espanhol, fazíamos todo o possível para que não se extinguisse. Soldados espanhóis da UNPROFOR (força da ONU na Bósnia) nos doaram livros", contou.

Os judeus chegaram a Sarajevo e outras regiões da Bósnia durante o século XVI, época de dominação do Império Otomano nos Bálcãs. A primeira comunidade judaica na Bósnia foi formada em 1565.

Os primeiros judeus sarajevitas eram em sua maioria artesãos, comerciantes, farmacêuticos e médicos. Em Sarajevo, até meados do século XIX, quase todos os médicos eram judeus.

A população sefardita crescia e progredia junto com a capital bósnia, que se transformava em um dos principais centros judeus nos Bálcãs e foi considerada por muitos uma pequena Jerusalém.

Os judeus não chegaram à Bósnia direto da Espanha, mas após atracarem em Istambul e Salônica.

"Apenas as segunda e terceira gerações dos espanhóis expulsos se assentou em Sarajevo", explicou recentemente à Efe Eliezer Papo, rabino não residente para a Bósnia-Herzegovina.

Este professor da universidade israelense Ben-Gurion, em Beersheba, e diretor do Centro de cultura ladina "Moshe-David Gaon", afirmou que, para os sefarditas bósnios, entre outros, "a Espanha não é, e aparentemente nunca será, mais um país mediterrâneo ou europeu".

"Na Espanha se desenvolveram novos ramos de ciências judaicas, e os existentes progrediam em tal medida que os olhares de todo o mundo judeu se voltaram para lá, de onde saíam as normas e a moda, a cultura alta e a popular", argumentou.