Topo

Cervantes se relacionou com muitas pessoas retratadas em "Dom Quixote"

11/01/2016 06h18

Lidia Yanel.

Toboso (Espanha), 11 jan (EFE).- Pelo menos 30 personagens que aparecem em "Dom Quixote de la Mancha" são reais, deixaram rastro em arquivos documentais, viveram em um pequeno entorno geográfico e nos mesmos anos, algum teve cavalo, escudo, lança e biblioteca, e Miguel de Cervantes os conheceu e se relacionou com eles.

Nos últimos meses, o pesquisador espanhol Javier Escudero achou o rastro de muitos personagens e afirmou à Agência Efe que o livro é "uma fotografia" de uma parte muito concreta da sociedade manchega do final do século XVI (entre 1580 e 1585), especialmente de arrecadadores de impostos e seus principais contribuintes.

"Estão localizados mais de 30 personagens, e há muitos outros, certamente", explicou Escudero em entrevista, no começo do ano que lembra o quarto centenário da morte de Cervantes.

Muitas referências a personagens da primeira parte de "Dom Quixote" foram encontradas no Arquivo Paroquial de Toboso (na província de Toledo), mas também no Arquivo Histórico Nacional, no Histórico Provincial de Toboso e no Diocesano de Cuenca.

O mais interessante, disse este historiador acostumado a ler com facilidade textos do século XVI, é que agora há documentação destes personagens, a que se dedicavam e as relações pessoais que tinham, e com base nisso se pode deduzir porque Cervantes escreveu seu romance.

Quando retornou de seu cativeiro em Argel, Miguel de Cervantes tentou um futuro como cobrador de impostos, mas não foi bem recebido entre os arrecadadores manchegos, o que "ficou gravado em sua memória e com quem saldou contas" anos mais tarde.

Os arrecadadores eram Francisco de Muñatones (no povoado de El Quintanar) e Jerónimo Camacho (que trabalhou em Villanueva de Alcardete), refletidos em "Dom Quixote" assim como o procurador Francisco de Acuña, o fidalgo Alonso Martínez e o dono de pousada Martín López Haldubo.

Em Toboso também viviam Juana Gutiérrez, mulher do médico; Catalina Lorenzo, Cide Hamete Benengeli, Grisóstomo Martínez Panduro, Ambrosio Martínez Velasco e o sacristão Pedro Martínez Lobo.

"Agora sim sabemos que há um grupo concreto de pessoas nestes povoados em que Cervantes se fixou e se baseou", assegurou Escudero, que acrescentou que o escritor "não apresenta personagens a qualquer um, somente gente que conheceu".

Por exemplo, Grisóstomo era um nome "estranhíssimo" - também na época - que agora apareceu no Arquivo do Toboso e que fez parte de uma das famílias mais cultas da cidade (era primo de Ambrosio).

Também viveu ali Muñatones, que possuía um cavalo branco, tinha escudo, lança, escopeta para caçar e uma biblioteca com 21 livros que foram vendidos quando morreu, em 1591. Curiosamente o mesmo ano em que Cervantes começou a escrever "Dom Quixote de la Mancha".

No livro, Muñatones aparece refletido como o Sábio Frestón e há vários episódios inspirados nele, como a primeira saída de El donoso escrutínio' e a surra que os mercadores de seda deram no cavaleiro (o filho de Muñatones foi o segundo mercador da seda mais importante de Múrcia).

"Não sabemos se Cervantes já estava exercendo o ofício ou tentando aprender, mas se citou estes personagens é porque em La Mancha tentou o ofício e contatou quem o exercia. E são os que protagonizam Quixote", explicou Escudero.

Segundo este pesquisador, Cervantes respeita "a questão geográfica" e nas cenas que descreve em La Mancha sempre há personagens manchegos. Desta forma, até o capítulo XII da primeira parte a imensa maioria é de personagens manchegos, igual aos citados na carta de Teresa Pancha ao seu marido Sancho.

O mesmo acontece com a vida que essas pessoas levavam: "Se Cervantes diz que um fidalgo é rico, na realidade é rico. E se diz que é um vigarista, na vida real também".

Escudero, que há menos de um ano revelou à Efe sua descoberta - também em arquivos - de um Alonso Quijano real, contemporâneo de Cervantes e morador de Toboso, tenta estudar estas pessoas e suas linhagens para "esquadrinhar a intenção do autor ao incluir tantos personagens reais".

Sua tese é de que "se Cervantes conhece o sacristão, o padre, bacharéis, três ou quatro proprietários de moinhos, e um par de mordomos" teve que passar muito tempo entre eles.

Este historiador iniciou sua pesquisa rastreando em arquivos os caminhos e rotas do Quixote, mas quando se deparou com um personagem real decidiu mudar de rumo e "buscar sobrenomes". E eles apareceram. EFE

lsy/cd/rsd

(foto)