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Gulag, uma máquina russa de repressão muito rentável

27/11/2015 06h06

Ignacio Ortega.

Moscou, 27 nov (EFE).- Os Gulags, redes de campos de trabalho forçados da União Soviética, não só eram uma "trituradora de carne", como era chamada por aqueles que por eles passaram, mas uma máquina muito rentável de exploração de mão de obra escrava idealizada pelo stalinismo.

"O Gulag fornecia 20% do Produto Interno Bruto soviético. Foi um sistema de exploração de trabalho de escravos que se transformou em uma grande fábrica, que ao invés de combustível utilizava pessoas", disse à Agência Efe Yegor Larichev, subdiretor do recém inaugurado Museu da História do Gulag.

O que começou sendo um sistema puramente repressivo para castigar os "inimigos do povo" se transformou a partir do final dos anos 30 em um dos destaques da industrialização ordenada por Stalin.

A máquina devoraria todos os estamentos da sociedade soviética, desde delinquentes de pouca importância até conhecidos intelectuais, de cientistas (Koroliov e Tupolev) a comunistas linha-dura, até atingir 20 milhões de soviéticos.

"Esta é a primeira tentativa de criar um museu estatal dedicado ao Gulag, uma herança negativa que ainda não foi assumida por todos os russos. Ainda há os que dizem que tudo isso é pura invenção. Este é só um primeiro passo", afirmou Larichev.

O museu, um sinistro prédio de tijolos vermelhos anterior à revolução bolchevique, submerge o visitante no horror do "Arquipélago Gulag" como o definiu em seu famoso livro o escritor e dissidente Aleksandr Solzhenitsin.

Provoca calafrios a coleção de portas de celas usadas de campos tragicamente famosos, como as minas de Kolima, as jazidas de Vorkuta e o arquipélago de Solovki, o primeiro experimento repressor.

Também podem ser vistos pertences dos presos: mensagens escritas em pedaços de tecido e troncos de madeira, equipamentos médicos feitos com ossos, isqueiros, lâmpadas com latas de conserva e máscaras contra o frio com casca de bétula.

Destaque para os brinquedos de surpreendente qualidade - carros e bonecas -, que eram vendidos depois em lojas a 25 rublos - uma fortuna na época -, sem que o comprador nunca soubesse que seu fabricante era um trabalhador do Gulag.

O sigilo deste sistema é evidenciado quando nos inteiramos de que só após a morte de Stalin em 1953 se soube da existência de uma prisão nas minas de urânio de Tchukotka, um dos trabalhos mais perigosos que alguém possa imaginar.

Também há espaço para os carrascos, já que o museu inclui listas com os nomes e sobrenomes de presos condenados assinadas por dirigentes soviéticos, de Stalin até o que foi naquela década presidente do Conselho de Comissários do Povo e depois ministro das Relações Exteriores, Viacheslav Molotov.

Contudo, o museu não cai na tentação de se limitar a mostrar o horror do "inferno branco", mas permite participar de maneira interativa do estudo da evolução dos Gulags com a ajuda de documentos inéditos.

Dessa forma, sabemos que os índices de mortalidade dispararam durante a Segunda Guerra Mundial, quando as provisões destinadas aos presos foram desviadas para alimentar soldados que combatiam o invasor nazista.

Um dos primeiros projetos nos quais foi utilizada mão de obra escrava foi o canal do mar Branco, uma obra faraônica na qual morreram 25 mil pessoas, segundo fontes independentes, ao qual se seguiram pontes, centrais elétricas, portos e ferrovias.

"Nosso museu é um exercício de memória histórica. O Gulag é parte da história do povo russo, 25% dos soviéticos foram vítimas direta ou indiretamente desse sistema", afirmou Larichev.

Trata-se de um fenômeno tão intrinsecamente soviético que alguns escritores chegaram a dizer que não havia diferença entre o interior e o exterior do Gulag, já que "toda a URSS era uma grande prisão".

É por isso que o museu foca em tentar explicar de maneira racional e objetiva "o mecanismo da repressão", como o define Larichev, e não em "dividir a sociedade russa em vermelhos e brancos", em referência à guerra civil de 1917-1923.

"Nosso museu quer que isso não se repita, quer transmitir uma lição moral. Não devia nunca ter acontecido. O Gulag foi algo inaceitável, mas é uma tragédia comum e um trauma histórico", assinalou o diretor adjunto.

"Não creio que a responsabilidade recaia apenas nos carrascos, mas em toda a nação, já que, além dos que assinaram e dos que apertaram o gatilho, estão os que se calaram e, portanto, consentiram", continuou.

"Todos somos participantes de alguma forma. É uma mancha nacional, e é complicado falar de culpados e inocentes. É como diz o ditado: 'Quem não cumpriu pena era guarda", comentou Larichev.

Ele reconheceu que apesar da lei sobre a desclassificação de documentos, o Estado russo se nega a abrir os arquivos da KGB, e por isso "o museu está incompleto" e a ferida vai continuar aberta, faltando dois anos para o centenário da revolução de 1917.