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Peça recria paixão de D. Pedro I e Inês em um centro psiquiátrico de Lisboa

Cena de "E Morreram Felizes para Sempre", interpretada em um centro psiquiátrico de Lisboa - Arlindo Camacho/Divulgação
Cena de "E Morreram Felizes para Sempre", interpretada em um centro psiquiátrico de Lisboa Imagem: Arlindo Camacho/Divulgação

Miguel Conceição

De Lisboa (Portugal)

24/06/2015 10h08

A louca paixão entre o rei português D. Pedro I e a nobre galega Inês de Castro é recriada em uma insólita e interativa peça de teatro chamada "E Morreram Felizes para Sempre" e interpretada em um centro psiquiátrico de Lisboa.

Com o hospital Júlio de Matos como cenário, a tenebrosa peça une o amor proibido entre o herdeiro do trono lusitano filho do rei Afonso IV e Inês de Castro à invenção da polêmica prática da lobotomia pelo médico português Egas Moniz, prêmio Nobel de medicina em 1949.

Inês, que era dama de companhia da segunda esposa de D. Pedro I, Constança Manuel, foi assassinada por ordem do rei Alfonso IV devido a sua relação com o herdeiro lusitano.

A lenda conta que, após a morte do monarca, foi seu filho, Pedro I, quem mandou assassinar os carrascos de sua amada, oficializou seu casamento com Inês e inclusive a coroou rainha como título póstumo.

Recriada, entre outros, pelo poeta Luís de Camões em "Os Lusíadas", trata-se da "mais bela história de amor de sempre", segundo Nuno Moreira, o criador do novo espetáculo.

Moreira explicou à Agência Efe que o envolvimento entre Pedro e Inês é uma "história de amor quase levada à loucura", na qual se elimina a "racionalidade da equação".

"E morreram felizes para sempre" busca "desmistificar os chamados assuntos do coração", típicos de um romance passional como este. Segundo Moreira, "é o cérebro, com seus neurotransmissores, que realmente controla a paixão, não o coração".

O próprio edifício no qual a peça é realizada reflete esse conceito, já que sua estrutura é organizada como os hemisférios cerebrais: "o lado direito, mais emocional, é onde encontramos Pedro e Inés" e o "esquerdo, mais racional, é onde está a sala de lobotomia", segundo o criador.

A peça se passa no ano de 1949, quando Pedro, médico do hospital, se apaixona por Inês, a nova enfermeira espanhola, para desagrado de sua esposa Constança e do diretor do centro, o doutor M.

O diretor cede aos pedidos da humilhada esposa e pede a um enfermeiro que sequestre Inês. Raptada, a jovem enfermeira chega a ser utilizada pelo doutor para uma de suas lobotomias e acaba morrendo, despertando a ira de Pedro.

A interação é fundamental, já que o público, que usa uma máscara cirúrgica, é convidado a percorrer os dois andares do hospital durante a peça.

O espectador pode acompanhar os personagens que preferir e deve "abrir portas, gavetas, ler documentos e interagir com o espaço, do mesmo jeito que faria se, de fato, estivesse vivendo a história", explicou Moreira, que ressaltou o tato como um dos elementos essenciais da peça.

Para criar um "mundo de imersão eficaz é preciso trabalhar os cinco sentidos", de acordo com o autor, que também enfatizou o olfato, "uma das dimensões que normalmente não são exploradas, mas que neste tipo de espetáculo ajuda na ilusão da realidade".

O intenso cheiro de éter na sala da lobotomia e o aroma de mel no bar são alguns exemplos que fazem com que o público entre na obra e possa vivenciá-la "em primeira pessoa, e não como espectadores passivos".

Para ajudar na imersão, o silêncio também é um ponto importante. Não há diálogos, o que "permite aumentar a atenção dos visitantes em relação a detalhes que normalmente ficam esquecidos na sombra das palavras".

Para Moreira, "a linguagem corporal e a expressão dramática são a forma mais eficaz de se criar uma experiência multissensorial", de modo que cada um possa interpretar a obra a sua maneira.

"E morreram felizes para sempre", que estará em cartaz até finais de julho, se passa em dois andares com 27 salas, algumas com "portas secretas e enigmas a serem decifrados", segundo Moreira.

Com isso, um dos objetivos do autor era "despertar nos espectadores o espírito aventureiro" e devolver o "gosto pelo descobrimento" típico da infância.

Outro diferencial é que, para envolver o público, a peça também inclui algumas cenas "um a um", nas quais são revelados alguns segredos da história.