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Manoel de Oliveira, de piloto de corridas a eterno cineasta

02/04/2015 12h18

Antonio Torres do Cerro

Lisboa, 2 abr (EFE).- Manoel de Oliveira, até hoje o cineasta em atividade mais veçlho do mundo, deixa para trás uma singular obra que abrange 82 anos de carreira coroada com cerca de 60 filmes, considerados um legado que preserva a memória do século XX.

Manoel Cândido Pinto de Oliveira, nascido no Porto em 11 de dezembro de 1908, no seio de uma família de industriais, dividiu os estudos entre sua cidade natal e um colégio de jesuítas da cidade galega de La Guardia (Espanha) até que aos 17 anos começou a ajudar nos negócios familiares.

Amantes dos carros de corridas, competiu em várias provas como piloto antes de alcançar a fama como diretor de cinema.

Sua paixão pelo motor ocorreu por influência de seu irmão mais velho (Casimiro) e de outros amigos e chegou a vencer diferentes competições. Um livro recopila aqueles anos e mostra imagens com alguns carros que pilotou, como um Ford V8 com o qual venceu em 1937 no Circuito de Estoril.

Durante a juventude, o diretor praticou diferentes esportes, desde natação até remo e atletismo, e também foi piloto de aviões acrobáticos.

Oliveira estreou no cinema aos 23 anos na direção com um documentário, "Douro, Faina Fluvial" (1931), um obra muda que recolhe os trabalhos na ribeira do rio Douro.

Seu filme inaugural, influenciado pelo alemão "Berlim: Symphony of a Metropolis" (1927), de Walter Ruttmann, teve uma recepção desigual entre a indiferença de seus compatriotas e o agrado da indústria internacional.

Já casado com Maria Carvalhais, com quem teve quatro filhos, Oliveira rodou seu primeiro longa-metragem em 1942, "Aniki-Bóbó", filmado também no Porto e onde é narrada uma singela história de dois meninos que estão apaixonados por uma mesma menina.

Para vários críticos, esta obra é considerada um antecipação à corrente cinematográfica italiana do neo-realismo.

Desde "Aniki-Bóbó", Oliveira esteve 14 anos sem filmar por dificuldades para encontrar financiamento e pela censura portuguesa do regime de António de Oliveira Salazar (1926-1974).

Em meados dos anos 50, retomou sua atividade cinematográfica, embora apenas na década de 70 começou seu vertiginoso trabalho, durante o qual adapta várias obras literárias de escritores e poetas lusos, como Eça de Queiroz (1845-1900) e o padre Antonio Vieira (1608-1697).

O apoio do produtor luso Paulo Branco, reconhecido como um grande impulsor do cinema independente na Europa, é crucial para o aumento criativo do cineasta, que chegou a rodar um filme por ano.

"Francisca" (1981) supôs o ponto de inflexão do início da considerada terceira fase do autor, na qual melhor se reflete seu vasto conhecimento da cultura Ocidental.

"A pegada de sua obra é notória. Há uma perspectiva cultural, que se reflete nos valores do imaginário português, e uma histórica que tem um alcance superior, já que preserva a memória do século passado", disse à Agência Efe José de Matos Cruz, um dos grandes especialistas na obra de Manoel de Oliveira.

Durante as décadas dos 80 e 90, atores do tamanho da francesa Catherine Denueve, do americano John Malkovich e do italiano Marcello Mastroianni apareceram em filmes como "O Convento" (1995) e "Viagem ao Princípio do Mundo"(1997) a pedido do produtor Branco.

"A participação de atores de relevância mundial ajuda para projetar internacionalmente o trabalho de Oliveira", acrescentou Cruz, que em 1996 publicou um livro sobre ele.

Os filmes do cineasta se caracterizam por sua condensação rítmica e seus longos planos, recursos necessários para expressar o rico imaginário de Oliveira, influenciado pelo humanismo cristão.

De fato, o diretor se reuniu em 2010 em Lisboa com o papa Bento XVI perante o qual destacou "as raízes" cristãs de "toda Europa" e a importância da fé.

A universalidade da obra de Oliveira, cineasta de culto por sua excelência em Portugal, se reflete em filmes como "A divina comédia" (1991), "Não, ou a vã glória de mandar" (1990) e "Um filme falado" (2003), onde aborda desde a tradição bíblica até a filosofia de Nietzsche.

"Sua obra, além disso, representa uma contínua reflexão sobre o cinema, sobre o ato de olhar, sobre a harmonia entre a palavra e a imagem", comentou à EFE o especialista em cinema português e crítico espanhol Francisco Jiménez.

Entre os prêmios que recebeu, Manoel de Oliveira conta com um Leão de Ouro do Festival de Veneza (1985) e uma Palma de ouro do Festival de Cannes (2008).

A crise e alguns problemas de saúde afetaram sua intensa produção nos últimos cinco anos.

"Eu não me queixo de nada, porque não serve (...) Os governos deveriam auxiliar muito o cinema, ajudando os produtores, não como um favor, mas como uma obrigação", disse Oliveira, para quem a vida tinha sentido por trás de uma câmera.

Em 2008, antes de se tornar um centenário, o cineasta confessou seu maior desejo, reflexo de uma carreira por trás das câmeras que se manteve praticamente até o últimos suspiro: "Meu melhor presente é seguir fazendo filmes".