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Em sua última entrevista, García Márquez diz que fama quase o "arruinou"

18/04/2014 14h20

O jornal "La Vanguardia", de Barcelona, republicou nesta sexta-feira (18) o que seria a última entrevista concedida pelo escritor Gabriel García Márquez, divulgada pela publicação espanhola em fevereiro de 2006 e na qual o colombiano disse que a fama quase "arruinou" sua vida.

García Márquez morreu na quinta-feira (17), aos 87 anos, no México. A entrevista do "La Vanguardia" foi feita no final de 2005, mas publicada alguns meses depois.

O Prêmio Nobel disse na ocasião que a fama tinha poucos atrativos para ele: "te condena à solidão, gera um problema de comunicação que te isola".

García Márquez contou ainda que 2005 estava sendo um "ano sabático": "Não me sentei diante do computador. Não escrevi uma linha. E, além disso, não tenho projeto nem perspectivas de fazer isso. Nunca tinha deixado de escrever, este foi o primeiro ano da minha vida em que não fiz isso", disse o escritor.

"Eu trabalhava a cada dia, das nove da manhã até às três da tarde, dizia que era para manter o braço aquecido, mas na realidade era porque não sabia o que fazer de manhã", afirmou García Márquez.

Sobre o tempo livre que ganhou, o escritor revelou: "Encontrei uma coisa fantástica, ficar na cama lendo. Leio todos aqueles livros que nunca tive tempo para ler. Lembro que antes sofria um grande desconcerto quando, pelo que fosse, não escrevia. Tinha que inventar alguma atividade para poder ficar até às três da tarde, para distrair a angústia. Mas agora me é prazeroso".

O autor da entrevista citou na matéria que durante a entrevista o telefone tocou e o escritor previu: "com certeza é Carmen Balcells". E de fato era a agente literária de García Márquez.

"Está vendo? Não tem sossego. Nada escapa dela, sabia que estava falando com vocês. Estamos mais controlados do que nunca", brincou  o escritor.

A matéria do "La Vanguardia" lembrou então que a relação profissional de Balcells com García Márquez se remonta a 1961, quando ninguém acreditava no jovem escritor, que só ficaria famoso depois da publicação de "Cem Anos de Solidão", em 1967.

O escritor também recordou o tempo em que viveu em Barcelona, do final de 1967 até 1975, e onde escreveu "O Outono do Patriarca".


Vida e Obra
Considerado o escritor de língua espanhola mais popular desde Miguel de Cervantes, no século 17, García Márquez alcançou celebridade literária que gerou comparações com clássicos das letras universais como Mark Twain e Charles Dickens. Suas obras ficcionais extravagantes e melancólicas --entre elas "Crônica de uma Morte Anunciada", "O Amor nos Tempos do Cólera" e "Outono do Patriarca"-- superaram em vendas qualquer outra publicação em língua espanhola, com exceção da Bíblia.

 


Cem Anos de Solidão - Divulgação - Divulgação
Capa da edição brasileira mais recente de "Cem Anos de Solidão"
Imagem: Divulgação

O romance épico "Cem Anos de Solidão" vendeu mais de 50 milhões de cópias em mais de 25 idiomas. Publicado em 1967, é um dos exemplos principais do chamado realismo fantástico e marcou um boom da literatura latino americana que durou duas décadas. A obra narra a saga de gerações da família Buendí e foi "o primeiro romance em que os latino-americanos se reconheceram, que os definiu, que celebrou sua paixão, sua intensidade, sua espiritualidade e superstição, sua grande propensão ao fracasso", disse o biógrafo Gerald Martin à agência Associated Press.

Ao receber o Nobel, em 1982, García Márquez descreveu a América Latina como uma "fonte de criatividade insaciável, cheia de tristeza e beleza, do qual este errante e nostálgico colombiano não é mais que uma fração, destacada pelo destino. Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todas as criaturas daquela realidade desenfreada, deixaram pouco a extrair da imaginação, porque nosso problema crucial tem sido a falta de meios convencionais para tornar nossa vida verossímil".
 

Biografia
Gabo, como era carinhosamente chamado, nasceu no dia 6 de março de 1927, em Aracataca, na Colômbia. Criado pelos pais de sua mãe, cresceu ouvindo as histórias de seu avô, Nicolas Márquez, veterano da Guerra Civil colombiana, enquanto sua avó, Tranquilina Iguarán, costumava lhe contar lendas que misturavam fantasia e realidade. Essas narrativas foram fundamentais para que mais tarde o garoto se tornasse escritor.

As histórias de seus avós se tornariam também material para a ficção de García Márquez, e Aracataca inspirou Macondo, a vila cercada por plantações de banana no pé das montanhas da Sierra Nevada, onde "Cem Anos de Solidão" se passa. "Minha família me contou muitas vezes que comecei a recontar histórias e coisas assim quase desde que nasci", contou García Márquez em uma entrevista. "Desde que comecei a falar".

Enquanto atuava em jornais, esboçou os seus primeiros contos e uma extensa reportagem sobre o sobrevivente de um naufrágio na costa colombiana resultou no livro “Relato de um Náufrago”, hoje tido como um exemplo de bom jornalismo literário. Ao lado de escritores incluindo Norman Mailer e Tom Wolfe, García Márquez também foi um pioneiro da narrativa de não-ficção que se tornaria conhecida como New Journalism ou Novo Jornalismo.

Pobre e esfarrapado durante grande parte de sua vida adulta, García Márquez foi transformado por sua fama e riqueza tardias. Um "bon vivant" com personalidade travessa, o escritor era um anfitrião gracioso, que contava histórias longas, com animação, para os hóspedes. Ferozmente protetor de sua imagem, uma característica compartilhada por sua esposa, ele ocasionalmente se rendia a um temperamento explosivo quando se sentia menosprezado ou deturpado pela imprensa.

O homem político
Como muitos escritores latino-americanos, García Márquez transcendeu o mundo das letras. Desde cedo, Gabo tornou-se um herói para a esquerda latino-americana, aliando-se cedo ao líder revolucionário cubano Fidel Castro e criticando as intervenções violentas de Washington, do Vietnã ao Chile. Seus textos perfilaram o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, além de retratarem como traficantes de cocaína liderados por Pablo Escobar abalaram o tecido social e moral de sua Colômbia natal, sequestrando membros da elite, tema de "Notícias de um Sequestro".

A escrita de García Márquez foi constantemente informada por seus pontos de vista esquerdistas, forjados em grande parte por um massacre de militares a trabalhadores bananeiros em greve contra a United Fruit Company (mais tarde, Chiquita) em 1928, perto de Aracataca. Ele também foi muito influenciado pelo assassinato, 20 anos mais tarde, de Jorge Eliécer Gaitán, candidato presidencial esquerdista em ascensão.
Ao longo da vida, García Márquez recusou ofertas de postos diplomáticos e tentativas de o lançar à presidência da Colômbia, embora tenha se envolvido nos bastidores das negociações de paz entre o governo da Colômbia e os rebeldes de esquerda.

Os últimos anos
Os últimos anos de vida de Gabo foram marcados por relatos sobre problemas de memória , que não foram confirmados oficialmente. As aparições públicas de García Márquez também foram mais escassas, apesar de ele continuar a socializar com amigos.

Em março deste ano, quando fez 87 anos, o escritor foi homenageado diante da imprensa por amigos e simpatizantes, que lhe deram bolo e flores do lado de fora de sua casa, em um bairro de elite na Cidade do México. Na ocasião, o autor mostrou-se sorridente, recebeu presentes e tirou fotos, mas não falou com os jornalistas. Nos últimos anos, restringiu ao máximo suas aparições em público e declarações por motivos de saúde.