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"O Ato de Matar", indicado ao Oscar, abre debate sobre massacre na Indonésia

01/03/2014 06h05

Gaspar Ruiz-Canela.

Bangcoc, 1 mar (EFE).- "O Ato de Matar", que concorre ao Oscar de melhor documentário, gerou um incômodo debate na Indonésia ao falar do massacre de meio milhão de comunistas após o golpe militar de Suharto (Hadji Mohamed Suharto, presidente da Indonésia) em 1965.

O documentário, dirigido pelo americano Joshua Oppenheimer, retrata um grupo de bandidos pagos por militares para realizar centenas de execuções na ilha de Sumatra em 1965 e 1966, em plena campanha contra a esquerda.

Após saber da indicação da Academia de Hollywood, Teuku Faizasyah, porta-voz de presidência para Relações Exteriores, criticou o filme para a imprensa local, ao afirmar que passa uma imagem distorcida do país.

"O filme retrata uma Indonésia atrasada, como nos anos 60. Isso não é apropriado, não é correto. É preciso lembrar que a Indonésia está reformada, muitas coisas mudaram", afirmou.

"Abordaremos assuntos de nosso passado obscuro, mas certamente isso não pode ser feito de forma brusca. Vai levar tempo. O público pode aceitar isso?", questionou.

"Muitos outros países têm momentos semelhantes em sua história", alegou Teuku, em referência à escravidão e ao bombardeio do Vietnã pelos Estados Unidos, e aos abusos contra os aborígenes na Austrália.

"As pessoas devem lembrar que isso aconteceu no contexto da Guerra Fria, uma guerra contra o comunismo", explicou.

O diretor Oppenheimer disse que filmou durante mais de oito anos os autores dos massacres de comunistas, muitos deles da minoria chinesa em Sumatra, Java e Bali, para expor um "genocídio" glorificado pelos vencedores, alguns dos quais hoje ocupam postos de poder no país.

"Eu não sabia se era seguro me aproximar dos assassinos, mas quando o fiz, descobri que se gabavam do que tinham feito", afirmou à Agencia Efe o diretor de 39 anos em entrevista por e-mail.

"Imediatamente relataram detalhes escabrosos dos assassinatos, frequentemente com um sorriso no rosto, diante de suas famílias e, inclusive dos netos pequenos", acrescentou Oppenheimer, que agora teme represálias caso volte ao país.

O diretor relatou que sentiu como se tivesse viajado para "Alemanha, 40 anos depois do Holocausto, para descobrir que os nazistas continuam no poder".

Proibido nos cinemas comerciais da Indonésia, "O Ato de Matar" só conseguiu ser exibido em uma conferência de direitos humanos em que Oppenheimer foi convidado de forma secreta.

No entanto, os produtores, entre eles o alemão Werner Herzog, recentemente decidiram liberar o download gratuito para a Indonésia no site oficial como um gesto para com os familiares das vítimas.

O documentário, filmado na maior parte do tempo nas exuberantes paisagens do norte de Sumatra, retrata os massacres através do lado de Anwar Congo, exibindo de forma grotesca e até surrealista como realizava as execuções até a como mostrava certo arrependimento.

Os massacres aconteceram no contexto da Guerra Fria e do temor ao avanço comunista na Indonésia, que contava com o maior Partido Comunista do mundo, depois do Partido Comunista Chinês.

Apesar das tentativas oficiais de silenciar o filme, o debate na imprensa, nos fóruns da internet e nas redes sociais.

"'(The Act of) Killing' não é o primeiro filme sobre os terríveis fatos, mas é, de longe, o mais significativo por contar a história do ponto de vista dos carrascos", disse o ativista indonésio Hilmar Farid.

Em 2012, a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Indonésia (KOMNAS HAM) solicitou sem sucesso à promotoria do país que investigasse as violações dos direitos humanos, as execuções e os sequestros pelo regime de Suharto.

No entanto, um dos comissários do organismo, Imdadun Rahmat, observou que o filme não deve ser levado "muito a sério", e que o considera um perigo para o processo de "reconciliação".

"É possível contar a verdade de forma amável, sem provocar ódio", disse Imdadun, que fez parte de um dos grupos paramilitares que perseguiram os comunistas após o golpe de Suharto.

O papel dos Estados Unidos, que no início apoiou Suharto, e a separação para a minoria de origem chinesa, que ainda hoje desperta receios em parte significativa da população, são outros assuntos espinhosos em torno dos massacres em 1965 e 1966.