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Turquia vive o 'Big Brother' de Orwell com nova lei de internet

06/02/2014 15h27

Ilya U. Topper e Dogan Tilic.

Istambul, 6 fev (EFE).- A Turquia está prestes a se transformar em um buraco negro dentro do mapa mundial da internet, temem os internautas, depois que foi aprovada, na noite desta quarta-feira, uma nova lei de controle de conteúdos que não desmerece o "Big Brother" imaginado por George Orwell.

Isto não era o que se esperava o ativista Gürkan Özturan quando, no final de 2010, o governo turco, o mesmo que agora aprovou a lei que põe o país no mesmo patamar de China ou Irã, levantou a proibição do YouTube e renunciou uma lei de controle de conteúdos após amplos protestos.

"Pensamos que com os protestos pacíficos tínhamos conseguido ampliar as liberdades", lembra Özturan em conversa com à Agência Efe, "mas agora será muito pior".

Agora, já não será preciso uma ordem judicial para bloquear uma página na internet, como antes: "qualquer alto funcionário pode eliminar em quatro horas qualquer conteúdo que lhe agrade. Basta avisar à Direção de Telecomunicações (TIB)", diz o ativista, membro do Partido Pirata da Turquia. As técnicas utilizadas para interceptar os conteúdos indesejáveis para o governo também sofreram alteração.

Quando os ativistas pediam, em 2010, "Liberdade para YouTube", o popular canal de vídeos era o quarto mais visto na Turquia, apesar de estar proibido.

A nova lei de controle foi aprovada ontem em forma de 16 artigos inseridos em um pacote legal de 125 pontos, e foi apresentada como medida para "proteger à família, às crianças e à juventude de elementos na internet que incitam à dependência às drogas, o abuso sexual e o suicídio", resume o jornal "Hürriyet".

Mas a oposição acredita que o que realmente preocupa o Executivo é que internet se transformou em uma plataforma para divulgar gravações policiais de altos funcionários relacionadas com acusações de corrupção que já forçaram a demissão de quatro ministros em dezembro.

Isso é o que acredita Aykut Erdogdu, deputado do opositor Partido Republicano do Povo, CHP, afirma que a nova lei pretende censurar a informação incômoda.

"O primeiro-ministro nunca se preocupou com a privacidade, até agora, quando atingiu seus ministros, seus filhos e a ele próprio em um caso de corrupção", assegurou Erdogdu.

Quem respalda essa visão é o deputado do partido no governo, Mustafa Elitas que afirma que a lei era necessária para evitar que uma rede infiltrada nas instituições estatais começasse a interceptar gravações de escutas telefônicas.

Um exemplo desta atitude aconteceu na semana passada, quando a TIB exigiu que um deputado da oposição, Umut Oran, apagasse do seu site pessoal uma pergunta parlamentar centrada nas acusações de corrupção contra o Executivo.

O aviso, retirado pela TIB e declarado como "erro administrativo" após ser publicado na imprensa, chamou atenção porque a mesma pergunta constava no site oficial do Parlamento.

Não é apenas a censura que preocupa, já que "o governo está iniciando uma vigilância digital em massa com esta lei, que permite manter muitos dados pessoais de navegação durante muito tempo", diz o professor Erkan Saka.

"Os provedores de internet serão obrigados a manter os dados durante dois anos. A internet será mais lenta e mais cara, mas, acima de tudo, as pessoas começarão a aplicar a autocensura. O governo quer instaurar o império do medo", denúncia o ativista Özturan.

O jornal online "Bianet" informa que a lei fortalece um centralismo autoritário, já que o diretor da TIB será nomeado pelos serviços secretos turcos, MIT, por sua vez submetidos unicamente ao controle do primeiro-ministro.

O presidente, Abdullah Gül, ainda tem que assinar a lei para que entre em vigor. Contudo, ainda que recentemente ele tenha ressaltado sua postura "liberal" em assuntos de internet, analistas turcos acreditam que ele não irá vetar.