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Escritor Amos Oz defende dois Estados como solução para Israel e Palestina

Amós Oz, escritor, ativista e pacifista israelense - Paula Giolito/Folhapress
Amós Oz, escritor, ativista e pacifista israelense Imagem: Paula Giolito/Folhapress

Javier Martín

Da Reuters, em Tel Aviv

05/02/2014 17h05

Vivaz, brincalhão e muito à vontade com a paz de espírito que só a idade traz, Amos Oz, o escritor nascido em Jerusalém em 1938, é sobretudo um homem simples. Em seus gestos, em suas palavras e em sua postura. Escritor prolífico e direto, de imagens duras e contundentes, mas com uma beleza estética às vezes embotada de tristeza, Amos é um furacão contumaz quando a conversa tende à política, e é quando mais aparece a sua militância pacifista.

"É difícil ser profeta apesar de vir da terra dos profetas. Mas acho que cedo ou mais tarde a solução dos dois Estados será uma realidade, simplesmente porque não existe alternativa", afirmou com um sorriso. 

"Acho que (o secretário de estado norte-americano, John) Kerry está fazendo um trabalho maravilhoso, que está envolvido e convencido ao máximo, e é corajoso no que faz", acrescentou em meio aos convidados na embaixada da Espanha em Tel Aviv, onde o embaixador, Fernando Carderera, o condecorou com a Grande Cruz da Ordem do Mérito Civil, concedida por sua contribuição à literatura e ao diálogo. E a recebeu com seu peculiar humor, encantado com a medalha "que vou usar por toda a vida, inclusive para dormir", brincou.

Filho de emigrados russos, alguns da extrema direita sionista, que chegaram em Jerusalém na década de 1930, Amos começou seu peculiar itinerário literário e humano com apenas 15 anos. Sustentado nos livros de Franz Kafka, talvez sua influência intelectual mais profunda, o escritor abandonou a casa paterna e se estabeleceu no kibutz de Hulda, uma das colônias de inspiração socialista que os pioneiros judeus ergueram na antiga Palestina.

Treze anos depois, a Guerra dos Seis Dias, que terminou com a ocupação da Palestina, teve um impacto emocional que não só marcou sua narrativa, mas também criou um compromisso pacifista em um tempo e em uma terra onde o belicismo é motor e desculpa reiterada. 

Cofundador do movimento "Paz Agora", crucial na inconclusa transformação ideológica da esquerda israelense, Oz entende o conflito como "um choque trágico entre dois direitos, entre duas antigas vítimas da Europa". "Vítimas os palestinos, do imperialismo europeu, do colonialismo; vítimas os judeus da perseguição europeia, da discriminação, dos pogroms, e no final, de um massacre nunca visto", considera.

Definitivamente, dois povos que para ele "não têm para onde ir" e que se aferram a uma terra que pertence a eles historicamente, mas que jamais souberam compartilhar, e muitos duvidam que algum dia sejam capazes de fazê-lo. "Reitero que sou otimista, acho que Kerry tem uma oportunidade para o sucesso e espero que assim seja", respondeu ao ser lembrado dos grossos buracos que ainda existem nesta enésima tentativa de diálogo.

E lembra uma analogia que estabeleceu há alguns anos: que a ansiada paz não deve ser imaginada como uma lua-de-mel, mas "como um divórcio justo, similar ao de tchecos e eslovacos".

Fiel a esta fechada defesa do consenso, embora doloroso, Amos criticou a campanha Boicote Desinvestimento e Sanções (BDS), que toma emprestada a estratégia do movimento que derrubou o regime do apartheid na África do Sul. "Não acredito nos boicote porque tornam as pessoas mais radicais, não mais flexíveis", afirmou.

"Pessoalmente, não compro nenhum produto que venha dos assentamentos na Cisjordânia porque sou contra das colônias desde o princípio, desde 1967", acrescentou. "Mas acho que o boicote a Israel em seu conjunto é um erro porque a única coisa que faz é deixar os israelenses mais radicais, não mais flexíveis", concluiu.

Seu permanente sorriso, base de um olhar risonho, se contrai quando em suas lembranças e seus sonhos surge o pesadelo da Síria, "uma tragédia colossal, na qual estamos vendo a dureza e a selvageria do regime e de alguns dos rebeldes", conflito que acredita ser a encarnação do atual sistema internacional.

"É um drama para a Síria, um drama para a região e um drama para o mundo, porque não foi capaz de pará-lo, não teve a força, a coragem e a determinação para intervir e colocar um fim (à guerra civil)", lamentou.

A última pergunta versa sobre sua obra e Amos simplifica: "A literatura universal vive nas histórias locais". Sobre o futuro, é misterioso: "Nunca falo sobre minha gravidez, os raios x não são bons para a criança. Semana que vem será lançado em Israel um livro escrito em parceria com minha filha, um ensaio sobre o judaísmo secular, como civilização, não religião", contou.