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Nobel García Márquez é homenageado na casa em que cresceu na Colômbia

Escritor colombiano Gabriel García Márquez em Barcelona em 2005 - Albert Gea/Reuters
Escritor colombiano Gabriel García Márquez em Barcelona em 2005 Imagem: Albert Gea/Reuters

Esther Rebollo

30/01/2014 00h27

A magia e a literatura envolveram nesta quarta-feira a pequena e tropical cidade de Aracataca, no norte da Colômbia, onde o Nobel de Literatura Gabriel García Márquez foi homenageado na mesma casa em que cresceu, o lugar que recriou em "Cem anos de solidão" e transformou em "Macondo".

"Eu sei que nesta casa havia flores, lá por 1927, onde esvoaçavam borboletas amarelas". Com essas emocionantes palavras, que fazem referência a um dos episódios mais evocados de "Cem anos de solidão", o reconhecido escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez iniciou a homenagem.

Um tributo organizado pelo Ministério de Cultura da Colômbia como preâmbulo do Hay Festival, que começa amanhã em Cartagena das Índias e, além disso, o primeiro em homenagem ao gênio da literatura em sua cidade natal.

Um evento que também não está isento de realismo mágico, já que os moradores de Aracataca recitaram de cor parágrafos inteiros das obras de García Márquez e, inclusive, um professor que chegou de Cartagena das Índias declamou um poema, muito bem fundamentado, que continha os títulos de absolutamente todos os romances do escritor.

Vásquez, autor do sucesso editorial "O ruído das coisas ao cair" e um dos escritores colombianos mais reconhecidos do momento, esclareceu que "Macondo é a transcrição poética de Aracataca" e por isso confessou que "conhecer a casa de García Márquez é um prazer imenso".

E a festa foi celebrada na casa-museu de Aracataca, o lar reformado da família García Márquez e o lugar que inspirou o escritor a escrever a mais universal obra latino-americana.

O coronel Aureliano Buendía, Úrsula, José Arcadio, Amaranta e Remedios, a Bela, os personagens do grande romance, transitavam hoje pelos quartos e interpretavam as loucas cenas de um livro lido por milhões de pessoas no mundo e traduzido para dezenas de idiomas.

"Se pode dizer, sem exagero, que 'Cem anos de solidão', ou melhor, essa lente que inventou e que hoje chamamos de realismo mágico, foi uma das formas mais influentes de ver o mundo que veio da literatura em língua espanhola", disse Vásquez à Agência Efe.

O romancista foi além: "Não existe um livro que tenha deixado a sua marca e sua escola em outras civilizações como 'Cem anos de solidão'".

O crítico literário, escritor e editor Conrado Zuluaga, um dos grandes conhecedores da obra de García Márquez, também comentou em declarações à Efe, que a Colômbia "estava devendo esta homenagem" e que é "incrível" que um Nobel de Literatura não tenha no país "obras completas, nem uma edição crítica e, inclusive, que seus livros não circulem nas livrarias".

"É incrível que a direita o repudie por ser amigo dos Castro, que a esquerda o repudie por ser amigo de Bill Clinton. Estamos em um país muito mesquinho e muito medíocre. Tomara que continuem fazendo estas homenagens", opinou.

Zuluaga foi especialmente crítico com a situação apresentada nas livrarias da Colômbia, onde é praticamente impossível conseguir livros de García Márquez devido a uma operação financeira feita pela editora Norma, que abandonou a publicação de romances e coloca condições difíceis para os pequenos livreiros, sendo a única editora que tem os direitos do autor no país.

O especialista macondiano disse que a melhor homenagem que deveria ser feita a Gabo, como é conhecido o escritor na Colômbia, é exigir que a editora de seus livros assuma suas responsabilidades e faça com que os livros cheguem às livrarias colombianas, grandes e pequenas.

Zuluaga fez tais colocações por um motivo óbvio: "García Márquez devolveu o prazer da leitura em língua espanhola, devolveu os sonhos, as pretensões, os segredos, os presságios, as invenções e a magia que todos temos dentro de nós".

Por causa de sua idade avançada, Gabo foi o grande ausente dessa homenagem em sua terra natal, onde seu povo se preparou para receber uma legião de escritores, admiradores, críticos, jornalistas e, inclusive, ministros.

Seu irmão Jaime foi o representante da família que esteve presente e disse que para os García Márquez este evento "significa o mesmo que para toda a Colômbia, para a América Latina e o mundo inteiro, mas com um orgulho adicional".

"Eu sou mais um dos 11 filhos do telegrafista de Aracataca", afirmou com humildade, quase repetindo as palavras de seu venerado irmão, que sempre expressou publicamente seu orgulho por sua família, que inspirou a saga dos Buendía.

Gabo esteve em Aracataca pela última vez em 2007, quando percorreu as ruas da cidade, visitou a casa do telégrafo onde seu pai trabalhou, a residência familiar, hoje transformada em museu, e o fez em um trem por essas vias que foram usadas pelos produtores de banana durante décadas, as mesmas que foram testemunhas do massacre da United Fruit Company em 1928 e que é muito bem retratado em "Cem anos de solidão".

Aracataca, uma cidade localizada entre pântanos e rios, hoje se lembrou como nunca de seu filho predileto.