Nélida Piñon: "A maravilha da cultura é se impregnar de tudo o que é humano"
Raquel Godos.
Washington, 5 dez (EFE).- A escritora Nélida Piñon reconheceu na cultura "a maravilhosa" qualidade de poder se impregnar através dela "de tudo o que é humano", mas acredita que a sociedade atual está "regida por preconceitos" que limitam a capacidade de observação, conforme disse em uma entrevista para a Agência Efe.
Nélida, uma das maiores representantes da literatura ibero-americana, recebeu nesta quinta-feira o Prêmio Cátedra Enrique Iglesias de Cultura e Desenvolvimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e defendeu que a mestiçagem e a mistura de realidades, produto da época dos descobrimentos, são "uma matriz" indissolúvel da América.
A cultura ibero-americana, herdeira de "dois poderosos idiomas como o português e o espanhol" ainda guarda vários enigmas do período do descobrimento, mistérios que, segundo a escritora, não têm motivo para serem revelados, mas que são, sem dúvida, parte de sua essência e enriquecimento.
No entanto, a escritora brasileira também advertiu, que as influências entre alguns povos e outros nem sempre são detectadas, "e nem sequer admitidas".
"Porque não convém a quem influencia nem a quem é influenciado. Vivemos regidos pelos preconceitos, por isso não nos permitimos olhar de uma maneira mais próxima o que de verdade impulsionou nossas realidades", refletiu em relação à troca cultural entre Portugal e Espanha com os povos americanos.
"Observo essa obsessão de ser contemporâneo como uma imitação. Como se alguém expulsasse todos os antecedentes, como quando queimaram os navios de (Hernán) Cortés para que não voltasse à Espanha", disse a escritora, que está convencida que "se a tradição não for conservada", não será possível conceber adequadamente o que é o presente.
Nélida Piñón, que foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1996, foge dos determinismos e defende a ambiguidade como "matéria-prima da arte".
"Esse afã pela tradução absoluta é um empobrecimento. Como explicar que Dom Quixote pudesse emocionar pessoas tão distintas, chineses, árabes, pessoas tão alheias ao mundo espanhol, independentemente do idioma, e da cultura?", se perguntou, avaliando o fato de que não existe uma resposta.
Nascida no Rio de Janeiro, mas filha galegos, Nélida Piñón defende que a sociedade ibero-americana faça um esforço para compreender melhor a cultura latina.
"Hoje há um império da 'anglo-saxonização', e tudo o que não passa por isso, é considerado Sul, como algo inferior", argumentou, e acrescentou que, apesar de os latino-americanos não desvalorizarem sua cultura, eles supervalorizam a estrangeira, com "uma fascinação que vai em seu próprio detrimento".
"A cultura vive em qualquer regime, mas, às vezes, você vê que existem momentos em que uma determinada cultura se sobressai, e depois, chegam outros grupos. Agora há uma forte influência dos Estados Unidos, que por exemplo roubou dos jovens a capacidade de desfrutar de outros gêneros musicais que não seja o rock e seus derivados", considerou.
A escritora vê nisso uma tentativa de imposição da monocultura, que pode resultar no risco de existir uma única linguagem, enquanto insiste que o caráter maravilhoso da cultura é precisamente sua multiplicidade.
"Tudo o que é humano não pode ser desconhecido, tem que ser familiar para a minha pessoa, é preciso um esforço para isso. A indiferença é um crime e a paixão humana é necessária para que as ideias circulem", garantiu.
Washington, 5 dez (EFE).- A escritora Nélida Piñon reconheceu na cultura "a maravilhosa" qualidade de poder se impregnar através dela "de tudo o que é humano", mas acredita que a sociedade atual está "regida por preconceitos" que limitam a capacidade de observação, conforme disse em uma entrevista para a Agência Efe.
Nélida, uma das maiores representantes da literatura ibero-americana, recebeu nesta quinta-feira o Prêmio Cátedra Enrique Iglesias de Cultura e Desenvolvimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e defendeu que a mestiçagem e a mistura de realidades, produto da época dos descobrimentos, são "uma matriz" indissolúvel da América.
A cultura ibero-americana, herdeira de "dois poderosos idiomas como o português e o espanhol" ainda guarda vários enigmas do período do descobrimento, mistérios que, segundo a escritora, não têm motivo para serem revelados, mas que são, sem dúvida, parte de sua essência e enriquecimento.
No entanto, a escritora brasileira também advertiu, que as influências entre alguns povos e outros nem sempre são detectadas, "e nem sequer admitidas".
"Porque não convém a quem influencia nem a quem é influenciado. Vivemos regidos pelos preconceitos, por isso não nos permitimos olhar de uma maneira mais próxima o que de verdade impulsionou nossas realidades", refletiu em relação à troca cultural entre Portugal e Espanha com os povos americanos.
"Observo essa obsessão de ser contemporâneo como uma imitação. Como se alguém expulsasse todos os antecedentes, como quando queimaram os navios de (Hernán) Cortés para que não voltasse à Espanha", disse a escritora, que está convencida que "se a tradição não for conservada", não será possível conceber adequadamente o que é o presente.
Nélida Piñón, que foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1996, foge dos determinismos e defende a ambiguidade como "matéria-prima da arte".
"Esse afã pela tradução absoluta é um empobrecimento. Como explicar que Dom Quixote pudesse emocionar pessoas tão distintas, chineses, árabes, pessoas tão alheias ao mundo espanhol, independentemente do idioma, e da cultura?", se perguntou, avaliando o fato de que não existe uma resposta.
Nascida no Rio de Janeiro, mas filha galegos, Nélida Piñón defende que a sociedade ibero-americana faça um esforço para compreender melhor a cultura latina.
"Hoje há um império da 'anglo-saxonização', e tudo o que não passa por isso, é considerado Sul, como algo inferior", argumentou, e acrescentou que, apesar de os latino-americanos não desvalorizarem sua cultura, eles supervalorizam a estrangeira, com "uma fascinação que vai em seu próprio detrimento".
"A cultura vive em qualquer regime, mas, às vezes, você vê que existem momentos em que uma determinada cultura se sobressai, e depois, chegam outros grupos. Agora há uma forte influência dos Estados Unidos, que por exemplo roubou dos jovens a capacidade de desfrutar de outros gêneros musicais que não seja o rock e seus derivados", considerou.
A escritora vê nisso uma tentativa de imposição da monocultura, que pode resultar no risco de existir uma única linguagem, enquanto insiste que o caráter maravilhoso da cultura é precisamente sua multiplicidade.
"Tudo o que é humano não pode ser desconhecido, tem que ser familiar para a minha pessoa, é preciso um esforço para isso. A indiferença é um crime e a paixão humana é necessária para que as ideias circulem", garantiu.
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