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Epopeia de Mandela, uma inspiração ao universo da cultura

05/12/2013 21h42

Marcel Gascón.

Johanesburgo, 6 (EFE).- A incansável luta de Nelson Mandela, morto nesta quinta-feira aos 95 anos, inspirou e comoveu milhares de pessoas em todo mundo, tendo em vista que a figura do ex-presidente sul-africano ficará para sempre imortalizada em diversos livros, filmes, canções e obras de todos tipos.

Artistas de inúmeras disciplinas e vertentes se mostraram verdadeiramente atraídos pela história e personalidade excepcionais do Nobel da Paz, um prêmio alcançado há exatos 20 anos.

Documentários retrataram a vida de Mandela de todos os ângulos possíveis, mas foi um filme comercial que retratou com mais êxito sua imagem de herói.

Dirigido por Clint Eastwood e com Morgan Freeman no papel principal, "Invictus" (2009) recria o momento mais simbólico do êxito da transição sul-africana.

Em 1995, um ano depois do desmantelamento do regime racista do "apartheid" e da escolha de Mandela como primeiro presidente negro do país, a África do Sul sediava a Copa do Mundo de rugby, um esporte que até então era praticado somente pelos brancos.

Diante deste contexto, o filme se concentra no empenho de Mandela para envolver a maioria negra no apoio da equipe nacional, que, assim como as demais, contava apenas com atletas brancos.

Unida pela primeira vez acima das diferenças raciais, a África do Sul assistiu euforicamente o triunfo de sua seleção de rugby no Mundial, uma vitória que, tendo em consideração sua importância extracampo, se mostrou emocionalmente simbólica.

O filme, que alcançou duas indicações aos prêmios Oscar e vários prêmios, é inspirada no livro do jornalista hispânico-britânico John Carlin: "O Fator Humano".

Uma perspectiva mais ampla é "O Longo Caminho para a Liberdade", que estreou neste ano. Dirigida por Justin Chadwick, o filme traz o ator britânico Idris Elba no papel de Mandela (adulto).

Baseada na autobiografia homônima de Mandela, o filme aborda fatos menos conhecidos da vida do mito, desde sua infância na África do Sul rural e seus anos na luta armada contra o "apartheid" até seus anos de prisão, onde ficou por mais de 27 anos.

Além de seus retratos no cinema, vários artistas também esculpiram estátuas em homenagens a Mandela, cuja luta pela igualdade racial também foi levada ao teatro em várias ocasiões.

Uma das estátuas mais emblemáticas, uma reprodução de seis metros do herói em bronze, se encontra na Praça de Nelson Mandela, situada em pleno centro financeiro de Johanesburgo.

No último mês de maio, outra imagem de seis metros do líder sul-africano foi erguida no centro de Johanesburgo, em frente ao edifício que abrigou o escritório de advogados de Mandela, o primeiro de negros na África do Sul segregacionista.

A obra em questão o representa como um boxeador e é inspirada em uma mítica imagem de sua juventude, tirada ainda nos anos 50 pelo fotógrafo Robert Gosani.

No entanto, talvez tenha sido a música que refletiu a inspiração do ex-presidente de uma maneira mais frutífera.

Do inesquecível "Free Nelson Mandela" ao emotivo "Asimbonanga", cantado em inglês e em zulu pelo branco Johnny Clegg, uma multidão de músicos cantaram ao prêmio Nobel.

Se "Free Nelson Mandela" transmitia desde o Reino Unido o otimismo festivo com o qual a indústria musical recebeu a luta de Mandela, "Asimbonanga", que custou a Clegg várias detenções sob o "apartheid", é uma profunda e introspectiva lembrança do ativista preso, assim como de seus companheiros de luta.

Também ficou gravado na memória de muita gente o show de tributo a Madiba - como o ex-presidente sul-africano é carinhosamente reconhecido em seu país - que músicos como Tracy Chapman, George Michael e Eric Clapton realizaram no estádio de Wembley, em Londres, no ano de 1988.

Apesar da repressão do sistema segregacionista, o jazzista sul-africano Hugh Masekela exigiu em 1987 o fim do encarceramento de Madiba, que, na ocasião, completava 24 anos atrás das grades.

"Quero lhe ver caminhando pelas ruas da África do Sul amanhã!", rezam os versos da canção "Bring back Nelson Mandela" (algo como "Devolvam Nelson Mandela").

Três anos depois, com Mandela caminhando livre pelas ruas de Johanesburgo, a falecida "rainha do afropop" Brenda Fassie celebrava a libertação de Madiba com seu "My black president".

"Agora, em 1990, o presidente do povo sai da prisão, levanta as mãos e diz: viva, viva meu povo", aponta a letra de um dos maiores sucessos de Brenda Fassie.

A lua-de-mel entre Madiba e a cena musical continuou quando os anos de luta deram passagem à liberdade e às responsabilidades institucionais.

Dessa última etapa, se destacam os famosos concertos a favor da luta contra a Aids, os quais foram batizados como "46664", em referência ao número de presidiário de Mandela (466) e seu primeiro ano de encarceramento (1964).

Grupos como U2, Spice Girls e Rolling Stones, além de estrelas como Annie Lennox ou Whitney Houston, cantaram para ele em diversos atos de homenagem, os quais costumavam contar com sua presença.

Além disso, o próprio Mandela teve sua veia artística, já que ele matava o tempo na prisão de Robben Island, onde ficou preso por 18 anos, fazendo desenhos em sua cela.

A literatura também o ajudou a suportar o período de prisão em Robben Island, onde, de forma clandestina, chegou a receber alguns volumes das obras de Shakespeare.

Em suas memórias, Mandela deixou marcada uma frase atribuída a Júlio César: "Os covardes morrem muitas vezes antes de sua morte/Os valentes só morrem uma vez...".