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Brasil debate sobre sua identidade cultural durante a Feira de Frankfurt

Frankfurt (Alemanha)

09/10/2013 13h23

A discussão sobre a identidade cultural brasileira e a diversidade da produção atual em todo os gêneros - desde a literatura infantil até a lírica - centraram nesta quarta-feira (9) os debates do pavilhão do Brasil como convidado da Feira do Livro de Frankfurt.

"Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?", dizia um verso de um poema de Carlos Drummond de Andrade, escolhido como lema de um dos atos do pavilhão.

Antes do início deste ato, o qual o ensaísta e músico José Miguel Wisnik terminou conversando com um moderador por ausência de outro convidado, Walice N. Galvão, tinham passado pelo auditório outros seis autores brasileiros de gêneros e tendências distintas.

Se tratava de duas autoras de literatura infantil, Marina Colasanti e Angela Lago; dois líricos, Age de Carvalho e Chacal; e dois romancistas, Nélida Piñon e Carlos Heitor Cony.

Marina leu um conto infantil no qual um rei trata de subornar a morte, que tinha anunciado seu fim, oferecendo em troca guerras e execuções de supostos traidores.

Já o conto de Angela poderia ocorrer em qualquer parte, mas tinha como cenário uma favela e narrava a história de um jovem que termina saindo do mundo do crime através da música.

Nélida Piõn, Prêmio Príncipe das Astúrias das Letras, leu um conto de claro lado feminista, "I Love my Husband". Chacal e Age de Carvalho optaram por poemas de um tema muito diferente.

O primeiro, pertencente à chamada geração mimeógrafa, que imprimiu e distribuiu seus livros por métodos rudimentares durante a ditadura militar, apresentou poemas escritos claramente para ser lidos em voz alta e perante um público.

O segundo, que vive em Viena e reconhece que sua poesia tem uma dívida com a língua alemã, elegeu poemas mais próprios de leitura lenta na intimidade.

Os brasileiros - apesar da dúvida refletida no verso de Drummond de Andrade - existem e estão em Frankfurt lendo prosas e poemas. Mas os brasileiros pareciam hoje ser demais diferentes entre si e a literatura brasileira uma selva tão diversa que as pessoas poderiam tender a respaldar a primeira afirmação, de que o Brasil não existe.

"A pergunta sobre se o Brasil e os brasileiros existem tem a ver com o fato de que o Brasil é o único país criado a partir da escravidão e da mestiçagem", explicou José Miguel Wisnik ao começar seu discurso.

Nesse contexto, segundo Wisnik, ficava difícil seguir a ideia do romantismo alemão, que aponta para a essência de um povo que se plasma nas expressões populares de cultura. "Isso implicava reconhecer os escravos como povo", disse o ensaísta.

De outro lado, a grande maioria dos brasileiros estava afastada da cultura letrada, devido ao analfabetismo, por isso que, embora o Brasil produzisse obras literárias, estas não serviam como veículo de civilização das massas.

O século XX para a cultura brasileira começa com o trauma da guerra de Canudos, que enfrentou o Exército brasileiro com um movimento de corte política-religiosa formado por negros, mulatos e mestiços, e liderado por Antonio Conselheiro.

O primeiro testemunho literário importante desse trauma foi "Os Sertões" de Euclides da Cunha, que tinha ido cobrir como jornalista a guerra e terminou se dando conta de que havia um grupo grande de brasileiros que estavam e se sentiam fora do projeto republicano de união nacional.

Surgiram assim diversos esforços por unir as expressões dos marginalizados com a cultura letrada que marcaram todo o século XX e que vão, segundo Wisnik, desde obras como "Macunaíma" de Mario de Andrade, ou boa parte da obra de João Guimarães Rosa, até movimentos musicais como a Bossa Nova.

Por trás de tudo isso estava a busca de uma solução ao dilema que tinha colocado Sergio Buarque da Holanda em "Raízes do Brasil", que se o Brasil se modernizasse, deixaria de ser Brasil.

A ideia de todos esses movimentos era superar esse dilema levando o Brasil popular à modernidade. "Acaso era uma ilusão, mas foi uma ilusão frutífera do ponto de vista cultural", disse Wisnik.

Hoje há pessoas que, no meio da globalização, veem o Brasil simplesmente como produtor de mercadoria cultural para o mercado internacional. Outros, no entanto, acrescentou Wisnik, seguem afirmando o projeto nacional.