No Peru, novo romance de Vargas Llosa tem personagens de outros livros
O escritor Mario Vargas Llosa ambienta no Peru seu novo romance, "O herói discreto", uma história de chantagens, vingança e cobiça desmedidas que usa a cultura como arma para lutar contra a barbárie e destaca a importância de defender as próprias convicções morais.
"Infelizmente, vivemos em um mundo em que muitas vezes a ambição faz com que desmoronem os princípios, os valores, sem nenhum escrúpulo", afirmou o escritor em entrevista a Agência EFE. O romance vai ser lançado no Brasil em outubro pela editora Objetiva.
O encontro aconteceu em Madri, na casa do escritor, que acredita que a corrupção "é um problema maior de nosso tempo" e critica quem, por ter dinheiro e poder, acha que pode "transgredir todas as leis porque o status social garantiria a impunidade".
"O herói discreto" reflete um Peru "muito diferente" dos romances anteriores e representa o retorno do Nobel de Literatura a cenários tão caros para ele como as cidades de Lima e Piura, onde viveu quando jovem.
"Se tornou uma cidade moderna, que cresceu muito e que vive uma prosperidade positiva, mas que também trouxe problemas de delinquência antes desconhecida" diz Vargas Llosa. Ou com outras palavras, as do sargento Lituma no romance: "Estas são as consequências do progresso".
No livro o escritor recupera antigos personagens como Lituma ("Lituma nos Andes"), e dom Rigoberto, dona Lucrecia e Fonchito ("Os cadernos de dom Rigoberto"), e evoca passagens de obras como a "A Casa Verde".
"É curioso. Com alguns personagens, quando começo pensar em trazê-los para uma história, se oferecem como se não tivessem sido aproveitados o bastante nas obras anteriores. Aqui, embora os personagens venham de mundos muito diferentes, seus destinos se unem misteriosamente, como acontece muitas vezes na vida".
E embora boa parte das histórias de "O herói discreto" roce "o dramático, o truculento", Vargas Llosa impregna a narração de ironia e de bom humor, além de utilizar recursos comuns ao melodrama, gênero pelo qual confessa sentir "uma atração um pouco perversa".
A origem de "O herói discreto" tem a ver uma notícia que Vargas Llosa ouviu no jornal de que um empresário tinha se negado a pagar as taxas que a máfia exigia, que o ameaça e chantageava, e tornou pública essa decisão".
Isto é o que acontece ao "herói discreto" por excelência. Felícito Yanaqué se recusa a pagar a extorsão por querer ser fiel a que disse seu pai antes de morrer: "Nunca se deixe pisotear por ninguém, filho".
A segunda história conta os altos e baixos de Ismael Carrera, um importante empresário de Lima, disposto a desafiar as convenções sociais e se vingar dos próprios filhos ("as hienas"), que não duvidaram em desejar sua morte para ficar com tudo.
"Boa parte das crises que o mundo vive tem a ver com essa avidez, com esse afã de lucro desmesurado que faz rachar o que antes parecia uma força de contenção", afirma o escritor.
Como no romance, as máfias abundam no Peru e, "infelizmente", acrescenta Vargas Llosa, em toda América Latina. E são "muito poderosas nos países onde age o narcotráfico, que movimenta quantidades de dinheiro gigantescas e é um instrumento de corrupção quase irresistível, que pode comprar juízes, policiais e políticos", lamenta.
O romance é uma homenagem a esses heróis que não aparecem na imprensa. "São pessoas que, na discrição e no anonimato, mantêm valores e virtudes; e são como os justiceiros da antiguidade, a reserva moral de uma sociedade". Vargas Llosa afirma que esses personagens existem, mas, "geralmente ninguém, claro, os imita".
Eles existem também entre os políticos. A discussão, muito atual no cenário brasileiro, conta com uma visão considerada por muitos otimista do escritor, para quem é "um grave equivoco falar da classe política como uma classe corrompida, como se não houvesse exceções a essa regra".
E, ele mesmo jornalista, faz uma crítica aos meios de comunicação: "há muitos políticos decentes que cumprem honestamente com suas obrigações, e há políticos bandidos. O terrível é a imprensa destacar justamente o que escandaliza".
"A imprensa muitas vezes explora isso de uma maneira tão irresponsável que termina contaminando todo o mundo político, as instituições", diz Vargas Llosa, que no romance ataca o sensacionalismo da imprensa e da televisão.
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