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Em momento de reformulação da CNV, universidades criam comissões paralelas

27/06/2013 10h13

Por Denis Kuck.

Rio de Janeiro, 27 jun (EFE).- Em um momento no qual a Comissão Nacional da Verdade (CNV) passa por uma reformulação, com a saída do ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles do órgão - o que expõe supostas divergências em seu interior -, novas comissões vêm sendo criadas e ganham corpo em universidades brasileiras.

Segundo fontes da CNV, o processo de proliferação de comissões pelo país é muito saudável, e a entidade já fez diversas reuniões com os novos órgãos que estão sendo criados. Para o colegiado, ainda que nem todas as novas comissões consigam se comunicar com a nacional, é importante tornar público os abusos que ocorreram no período da ditadura, já que atualmente 54% da população não viveu durante nenhum ano em que vigorou o regime militar.

A mais recente comissão a ser instalada foi a da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), inaugurada oficialmente na semana passada. No dia 1º de julho, será a vez da Comissão da Verdade Marcos Lindenberg, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), criada para apurar casos de professores, alunos e funcionários perseguidos pela ditadura militar.

Recentemente, também foram criadas comissões na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (USP-SP), na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e na Universidade de Nacional de Brasília (UNB).

A instalação da comissão da verdade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) já foi aprovada pelo conselho da instituição, e na Universidade Federal do Pará (UFPA) os alunos se organizaram para criar um órgão investigativo sobre o regime militar. Além disso, a União Nacional dos Estudantes (UNE) conta com uma comissão própria.

Na Comissão da Verdade e Memória: pela Construção do Nunca Mais, da FESPSP, o objetivo é trabalhar de forma articulada com as comissões nacional e estadual e enviar os relatórios finais sobre cada caso analisado para o Ministério Público Federal e a CNV.

"Somos mais um braço da comissão nacional. Acho um movimento interessante a criação desses novos órgãos, que aumentam a capacidade de investigação da CNV. Além disso, é importante ampliar o debate para que o que ocorreu nunca mais aconteça", disse um dos representantes da comissão da FESPSP, o estudante de sociologia Dyego Pegorario de Oliveira.

Para o presidente da Comissão da Verdade Rubens Paiva da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Adriano Diogo, "a CNV precisa ser um canal de deságue dos trabalhos de todas essas comissões, dar o ritmo, estabelecer a metodologia, senão elas serão apenas militância".

"O que não deixa de ser importante", disse o deputado, pois "há um ano este assunto estava fora da pauta de discussão da mídia".

Os trabalhos na FESPSP irão se debruçar sobre três casos: a presença do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) na direção da instituição nos anos 80; a execução do ex-estudante da instituição Marcio Leite de Toledo, em 1971, pela própria Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização de esquerda que combatia a ditadura; e a presença do capitão do exército americano Charles Rodney Chandler, acusado de ser instrutor de técnicas de tortura, no quadro de professores da faculdade.

"Além disso, novas questões podem ir surgindo, e nada impede que continuemos o trabalho após o encerramento das atividades da CNV, prevista para novembro de 2014. Uma análise que fiz nos documentos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do período revelou mais de 300 referências à FESPSP", contou Dyego.

Na PUC-SP, a atuação da Comissão da Verdade Reitora Nadir Gouvêa Kfouri, que deve durar dois anos, tem um revestimento mais acadêmico.

"Em um primeiro momento, vamos contribuir com a CNV. Depois, vamos realizar debates, reuniões, oferecer bolsas de iniciação científica e montar um banco de dados sobre o período", explicou a professora de Ciências Sociais e integrante do conselho da comissão, Marijane Lisboa.

Além de trabalhar para recuperar a história de presos e perseguidos pelo regime militar que eram ligados à universidade, a comissão da PUC-SP irá estudar o papel desempenhado pela instituição durante a ditadura.

"A PUC teve um lado diferente no período, de acolhida. Professores expulsos de outras universidades vieram dar aula aqui, como por exemplo Paulo Freire", disse Marijane.

Na Unesp, o objetivo é semelhante: o projeto Tenho Algo a Dizer tem como missão obter depoimentos de pessoas ligadas à universidade afetadas pelo regime e produzir um documento que recupere parte da história da instituição. Serão oferecidas duas bolsas para pesquisadores participarem do projeto.

Na UNB, já foram realizadas audiências públicas da comissão da verdade da instituição, que tem por objetivo investigar violações dos direitos humanos na universidade durante o regime militar. Além disso, o órgão tentará esclarecer as circunstâncias da morte do ex-reitor da UNB Anísio Teixeira, em 1971.

Na USP, a reitoria publicou em maio uma portaria criando sua comissão da verdade, o que não agradou boa parte da comunidade acadêmica, que acusa a direção da universidade de autoritarismo.

"Vínhamos negociando com a reitoria a criação da comissão desde novembro do ano passado. Reunimos mais de cinco mil assinaturas pedindo sua instalação, discutimos como seriam os trabalhos de uma comissão independente, com membros democraticamente eleitos e permissão para consultar os arquivos da universidade", explicou Renan Quinalha, pós-doutorando da instituição e membro do Fórum Aberto pela Democratização da USP.

"No entanto, por meio de uma portaria, a reitoria passou por cima das negociações e impôs sua própria comissão, com membros escolhidos pela direção, uma espécie de golpe. A comissão da reitoria não é legítima", criticou Quinalha.