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Michel Laub contrapõe memória individual e coletiva em "Diário da Queda"

Fotografia cedida pela editora Mondadori do escritor brasileiro Michel Laub - EFE
Fotografia cedida pela editora Mondadori do escritor brasileiro Michel Laub Imagem: EFE

Em Madri

01/04/2013 15h38

Contrapor a memória individual e biológica, representada pelo Alzheimer, e a coletiva e histórica, simbolizadas pelo Holocausto, é o desafio lançado pelo escritor brasileiro Michel Laub em "Diário da Queda", a obra com a qual se apresenta perante os espanhóis.

O livro, explicou seu autor, que nasceu em Porto Alegre em 1973, em entrevista para a Agência Efe, é uma narração cujos limites são "as pequenas histórias" que o compõem, com a memória sendo o assunto central. "Como alguém se transforma no que é, como a história e o individual podem influenciá-lo", e como se comporta também nas novas gerações.

A obra começa com um acidente juvenil em uma festa de aniversário. Na cultura hebreia, o ritual de quebra à idade adulta ocorre aos 13 anos, com a realização do "bar mitzvah".

Os amigos lançam o homenageado ao ar e depois o pegam de acordo com o número de anos que completa, mas no aniversário de João, a única criança "não judia" do colégio, após ter sido jogado ao ar pela 13ª vez, na última seus amigos o deixam cair no chão e ele fica gravemente ferido.

Este fato é recordado tempo depois pelo narrador, companheiro de João, que intercala suas próprias vivências, as de seu avô - sobrevivente de Auschwitz -, e as de seu pai, agora doente e que teve que cuidar da família sendo ainda uma criança.

A partir desse incidente e as motivações que propiciaram aquele obscuro episódio e que levaram o protagonista a começar "a odiar tudo relacionado com o nazismo e com seu avô", surge uma reflexão sobre o legado que o Holocausto deixa em três gerações de uma mesma família e que, provavelmente, segundo Laub, seja "impossível" superar.

Além disso, o romance publicado pela editora Mondadori faz uma reflexão sobre as injustiças, a construção da identidade, as relações de amizade e de amor.

O livro é narrado em primeira pessoa, o que dá impressão ao leitor, segundo Laub, de que "tudo de fato aconteceu, como quando alguém te conta uma história enquanto espera o ônibus".

O autor não oculta, no entanto, que fornece muitos "elementos pessoais e reais", embora também queira provocar a confusão entre realidade e ficção.

No entanto, embora o acidente juvenil seja o arranque do romance, Laub reconhece que o ponto de partida de "Diária da queda" foi o Alzheimer, ao ficar interessado em questionar como "alguém esta perdendo sua memória".

A obra reflete a relação do narrador com seu pai após conhecer que sofre desta doença e embora o autor reconheça que se trata de ficção, também desvela "a macabra coincidência" de que quando estava terminando de escrever a obra, seu pai adoeceu e morreu, mas confessa que "não mudou" o livro por isso.

O narrador não gostaria de repassar sua vida de uma situação limite - ao conhecer a gravidade da doença de seu pai - como se a perspectiva do fim de alguém próximo, com o qual em breve não poderá conversar, fizesse ver a pouca importância das coisas ao seu redor.

Ao contrário, pelas maõs de Laub, o protagonista quer evidenciar como alguém, um neto de um sobrevivente de Auschwitz, que vive em um país diferente ao de sua família e com outros problemas, pode fazer frente a essa "terrível lembrança" que encontra sentido nas últimas linhas do livro.

Admirador do escritor sul-africano naturalizado australiano, John Maxwell Coetzee, Laub anuncia que prepara um romance sobre um fã do ídolo falecido Kurt Cobain, cantor, compositor e guitarrista da banda Nirvana que transformou a música grunge nos anos 90.