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Crimes e letras, um cruzamento que às vezes rende sucessos

Catalina Guerrero

De Madri

14/08/2011 06h04

Miguel de Cervantes, Álvaro Mutis, Carlos Montenegro, José Leon Sánchez, William Burroughs, Neal Cassady, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e Jean Genet passaram uma temporada atrás das grades, segundo relata o autor espanhol José Ovejero em seu novo livro, "Escritores Delincuentes" (título original).

Pelas páginas desta obra, que a editora Alfaguara publicará em setembro na Espanha, transitam também Jean Ray, Maurice Sachs, Sergiusz Piasecki, Chester Himes, Jimmy Boile, Hugh Collins, Jeffrey Archer e Abdel Hafiz Benotman.

Suas vidas têm características em comum: foram repletas de dificuldades, e muitos deles compartilham uma infância traumática.

Burroughs, o mestre e antecessor da Geração Beat, autor de "Junkie" e "Almoço Nu", matou a segunda mulher; o colombiano Mutis ("Diario de Lecumberri" e " Llona Llega con la Lluvia") foi preso por desvio; e Anne Perry, autora de romance policial, foi uma adolescente assassina. Seu crime foi adaptado para o cinema por Peter Jackson em "Almas Gêmeas".

Os escritores escolhidos por Ovejero (Madri, 1958), que reconhece não ser imune à "fascinação" da sociedade pelos fora-da-lei, são interessantes não só por suas biografias, mas por como estas se refletem em suas obras.

Além disso, segundo Ovejero - autor de "As Vidas Alheias", "Nunca Acontece Nada" e "A Comédia Selvagem"-, "o livro se passa em uma sala de tribunal onde os ilustres réus são julgados.

Quase todos os escritores criminosos acabam escrevendo sobre si mesmos, embora haja algumas exceções, como é o caso de Anne Perry e de O. Henry, considerado um famoso contista americano.

Porém, com relação à obra desses autores, cujo caráter autobiográfico seduz o leitor, é preciso ler com cautela, adverte Ovejero, já que, se todos nós tendemos a maquiar nossas vidas, aqueles que tiveram um passado questionável fazem isso mais ainda.

O romancista, dramaturgo e poeta criminoso mais conhecido talvez seja o francês Jean Genet, que esteve em prisões de vários países europeus. Em sua obra, eminentemente autobiográfica, Genet nunca omitiu seu outro lado ("Diário de um Ladrão"), mas o mitificou, ao transformar o marginal em herói.

Genet não escondeu também sua homossexualidade, enquanto alguns escritores nunca admitiram ter tido relações sexuais com outros homens na prisão.

A dureza da vida carcerária é fielmente retratada em "La Isla de los Hombres Solos", do costarriquenho José Leon Sánchez, que foi condenado à prisão perpétua por assassinato em uma das penitenciárias mais perigosas dos Estados Unidos, a de San Lucas. Seu caso foi revisado e ele foi declarado inocente. Porém, chegou a cumprir 30 anos da pena.

Que a prisão corrompe, que é impossível não se deixar contaminar pela degradação imposta, é também a tese tratada em "Hombres sin Mujer", do hispanocubano Carlos Montenegro, que narra duramente a realidade sobre o horror sexual dos presidiários em Cuba.

Contudo, paradoxalmente, a prisão foi sua tábua de salvação, já que foi lá que começou a estudar e a escrever, como também aconteceu com os britânicos Jimmy Boyle - que no final dos anos 1960 ostentava o título de "o homem mais violento da Escócia" - e Hugh Collins, este último condenado à prisão perpétua por cravar uma faca no coração de um jovem de uma gangue rival.

A prova de que a união de crime, drogas e literatura funciona frequentemente é o caso de Neal Cassady, que exerceu grande influência na cultura e nos mitos de sua geração: como por exemplo seu amigo Jack Kerouac, que escreveu sobre uma viagem que ambos fizeram pelos Estados Unidos em "On the Road", cujos protagonistas, Dean Moriarty e Sal Paradise, aludem a Cassady e ao próprio Kerouac.

Milhares de jovens queriam ser Neal Cassady, o ícone da geração Beat da década de 1950 e do movimento psicodélico dos 1960. Até mesmo os Beatles o imitaram ao pintarem um ônibus para sua "Magical Mystery Tour".

Cassady foi condenado por pequenos delitos, da mesma forma que Miguel de Cervantes, que na prisão teve contato com o mundo e a linguagem dos criminosos e os usaria mais tarde em alguns de seus romances exemplares, como "Dom Quixote".