Aki Kaurismäki traz imigração e bom humor para Cannes
Mateo Sancho Cardiel.
Cannes (França), 17 mai (EFE).- Com o mérito de estar à altura do que se espera dele, o finlandês Aki Kaurismäki apresentou nesta terça-feira em Cannes outra porção do humor estático e do romantismo residual que o caracterizam, mas com um adicional de conteúdo social.
O diretor de "O Homem sem Passado" e "Nuvens Passageiras" concorre pela quarta vez à Palma de Ouro com este filme protagonizado por um engraxate da estação de Le Havre, na França, que enquanto sua mulher está internada em um hospital acolhe um adolescente africano perseguido pela Polícia.
"A imigração é um problema muito grande para dar respostas. Tudo vem da colonização e é um pouco tarde para resolver isso, mas se os políticos saíssem de seus quartos de hotel e de seus Mercedes, talvez as coisas começassem a mudar um pouco", disse o mais famoso dos produtores finlandeses.
"Le Havre", embora apresente uma guinada rumo à trama social, se sobrepõe aos gêneros. Apesar de ser filmado na França e em francês, tudo nele remete à Finlândia, graças ao trabalho de iluminação tênue e parcial e o código de conduta dadaísta dos personagens. O universo de Kaurismäki, mais uma vez, está acima das coordenadas de espaço e tempo.
"A cidade de Le Havre era minha última esperança e a verdade é que é um lugar triste, embora não o suficiente para o que eu queria fazer. Mas era o mais longe que minha cabeça podia estar da Finlândia", explicou em entrevista coletiva o diretor que poderia ser um personagem de seus próprios filmes.
Em Le Havre, o cineasta constrói esse microcosmo pausado e cômico no qual, apesar do ambiente gélido, um coração frágil bate dentro de cada personagem.
"Finlândia e Suécia são os únicos países que não poderiam ter sido cenário deste filme, porque ninguém ficaria tão desesperado para ir para lá", afirmou Kaurismäki.
A partir desta observação, a entrevista coletiva se transformou em um tipo de extensão de "Le Havre". Quando Karuismäki foi repreendido pelo moderador por acender seu cigarro elétrico, disse: "Não posso apagá-lo, precisaria um cinzeiro elétrico", para em seguida enfiá-lo na boca do lado contrário.
Quando um jornalista começou a perguntar "Te parece irônico...", ele cortou para responder: "Tudo!".
E quando acabou a pergunta com um "... que a esperança exista só nos filmes e não na vida?", o diretor ainda contra-atacou: "Se a vida te parece decepcionante terá que perguntar a ela, não a mim".
Ao lado de Kaurismäki estavam os integrantes do elenco do filme: sua musa habitual, Kati Outinen, que volta a emprestar seu físico de governanta para a heroína romântica, e os atores franceses Jean-Pierre Darroussin - figura carimbada do cinema de Robert Guédiguian - e André Wilms, com o qual volta a trabalhar após "La Vie de Bohéme".
"O personagem também se chama Marx. É um flerte do filme que ninguém viu com este que ninguém verá", prosseguiu o diretor, que também colocou no elenco a cadela Laika, "atriz canina" de quinta geração.
Com ela e os atores franceses, Kaurismäki não pôde se comunicar abertamente, já que não domina o idioma deles - nem o canino, nem o francês -, mas disse: "Sou burro, mas não idiota" em português, para depois acrescentar que sabe "reconhecer quando um ator está atuando bem em qualquer idioma".
Mas o cineasta, que já levou a Palma de Ouro com "O Homem sem Passado", volta com vontade de vencer. "Agora quem fala é o Kaurismäki produtor. O diretor e o roteirista foram pescar. Estou muito contente de estar em Cannes", afirmou.
Ao fim da entrevista coletiva, os presentes aplaudiram quase tanto quanto no próprio filme.
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