Carta aberta critica cultura do cancelamento, mas assinatura de J.K. Rowling gera incômodo
Uma carta aberta assinada por mais de 150 artistas e intelectuais em apoio aos protestos mundiais contra o racismo, mas também criticando o que os signatários chamam de "intolerância às perspectivas opostas, a moda da humilhação pública e o ostracismo" gerou indignação nas redes sociais.
A carta aberta faz uma referência velada à chamada cultura do cancelamento. Ela foi divulgada na internet nesta terça-feira (7) e será publicada na versão impressa da revista Harper's Bazaar de outubro.
O texto, assinado por nomes como o linguista Noam Chomsky, os escritores Martin Amis, Margaret Atwood e Salman Rushdie, o jornalista Roger Cohen e o músico Wynton Marsalis, expressa preocupação de que um "debate aberto" sobre a complexa questão da brutalidade policial e da desigualdade racial esteja dando lugar a "dogma ou coerção".
"A maneira de derrotar más ideias é pela exposição, pelo argumento e pela persuasão e não pela tentativa de silenciá-las ou apagá-las", afirma. "Como escritores necessitamos de uma cultura que nos dê espaço para?experimentar, assumir riscos e até mesmo cometer?erros."
A carta rapidamente provocou uma reação, em parte devido à presença, entre os signatários, da escritora britânica J. K. Rowling, que tem sido rotulada de transfóbica e feminista radical trans-excludente (Terf, na sigla em inglês) por suas opiniões controversas sobre pessoas trans.
A autora e ativista transgênero Jennifer Finney Boylan afirmou no Twitter que não havia percebido quem mais havia assinado a carta aberta e estava, por isso, retirando sua assinatura. "Pensei que estivesse endossando uma mensagem bem-intencionada, ainda que vaga, contra linchamentos virtuais", escreveu ela, acrescentando: "Sinto muito".
Boylan logo foi criticada por apoiadores da carta. Alguns viram a reação como um exemplo irônico de cultura do cancelamento à qual a carta se opõe.
"Essa carta ilustra perfeitamente meu problema com o tropo 'cultura do cancelamento'", escreveu o comentarista político Judd Legum no Twitter. "Os signatários dessa carta têm plataformas maiores e mais recursos do que a maioria dos outros seres humanos. Eles não estão sendo silenciados de forma alguma."
Depois que o ativista de esquerda Noam Chomsky adicionou seu nome aos 150 signatários, muitos de seus apoiadores expressaram sua decepção nas mídias sociais.
Vários jornalistas e comentaristas de esquerda, como Glenn Greenwald, concordaram com os princípios expressos na carta aberta, mas disseram que muitos que a assinaram estão sendo hipócritas, incluindo o autor Malcolm Gladwell, que saudou o fechamento do blog de notícias e fofocas Gawker em 2016, após o site tê-lo parodiado regularmente.
Greenwald escreveu no Twitter que vários signatários se comportaram no passado de uma maneira que reflete "a mentalidade de censura que agora estão condenando".
Os críticos da carta argumentam que ela é muito vaga e genérica e não aborda a questão do discurso de ódio, com alguns colocando as opiniões de J. K. Rowling sobre pessoas trans nessa categoria.
E em meio às reivindicações do Black Lives Matter por reformas na polícia e pela remoção dos monumentos de confederados dos EUA, forças políticas da direita invocaram a liberdade de expressão para criticar o que elas também chamam de cultura do cancelamento.
"O presidente @realDonaldTrump se opõe a cortes de financiamento de nossos formidáveis policiais, a ceder ao controle do mob e à cultura do cancelamento, que procuram apagar nossa história", declarou a Casa Branca num tuíte oficial de 29 de junho.
Durante o discurso de Trump no Monte Rushmore para marcar o Dia da Independência dos EUA, ele novamente criticou o que chamou de "campanha impiedosa para apagar nossa história".
"Uma de suas armas políticas é 'cancel culture' - tirando as pessoas de seus empregos, expondo quem pensa diferente, e exigindo total submissão de todos que discordam. Essa é a verdadeira definição de totalitarismo", afirmou Trump.
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