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Artistas cubanos se unem contra decreto que impõe censura prévia

Miguel Diaz-Canel, 1° presidente civil após a Revolução Cubana, em 1959 - Adalberto Roque/AFP
Miguel Diaz-Canel, 1° presidente civil após a Revolução Cubana, em 1959 Imagem: Adalberto Roque/AFP

Rosa Muñoz Lima

31/08/2018 12h23

A cena artística de Cuba está em alvoroço. Como parte da campanha #NoAlDecreto349, artistas estão organizando abaixo-assinados, recitais e concertos, enviando cartas abertas ao governo e divulgando vídeos de rap no YouTube.

Um deles, a curadora Yanelys Núñez, lambuzou-se com excrementos numa ação performática diante do Parlamento cubano, após a prisão de seu companheiro, Luis Manuel Otero, que originalmente deveria ter realizado a performance artística.

As ações de protesto dos artistas se dirigem contra o Decreto 349. Trata-se de uma censura prévia sistemática a qualquer iniciativa cultural independente que escape do controle do Estado, afirma a advogada cubana Laritza Diversent, que, a partir do exílio, presta assessoria legal ao movimento de protesto.

O decreto, assinado pelo novo presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, em abril de 2018 foi publicado em julho e deverá entrar em vigor em dezembro. A partir de então, a realização de qualquer atividade artística no espaço público ou privado, seja ela organizada de forma estatal ou não estatal, ficará sujeita à avaliação prévia e à aprovação pelo Ministério da Cultura, como também à apreciação posterior de "tutores" e inspetores independentes.

Segundo a Anistia Internacional, as disposições do Decreto 349 são "restrições vagas e excessivamente amplas à expressão artística". O decreto proíbe conteúdos que sejam "obscenos", "vulgares" ou "prejudiciais aos valores éticos e culturais", como também "qualquer outro conteúdo que viole as leis que regem o desenvolvimento normal de nossa sociedade em questões culturais".

O decreto inclui ainda questões que, até agora, haviam sido abordadas somente de forma parcial pela legislação cubana, como a punição da discriminação por motivo de deficiência, raça, sexo ou orientação sexual. "O instrumento da censura prévia não é adequado para tais coisas", considera Diversent.

Além disso, o decreto atinge não apenas os artistas, mas todos os cidadãos, pois "limita a liberdade de buscar, receber e transmitir informações e ideias de todos os tipos", incluindo a liberdade de expressão, acrescenta Diversent. "O Estado não deve definir o que é arte ou não", afirma a advogada.

Desde a publicação do decreto, artistas que se manifestam contra a medida têm sido detidos de forma arbitrária, intimados diariamente a comparecer à polícia, obrigados a pagar multas e seus telefonemas foram interceptados, denunciam Yanelys Núñez e Luis Manuel Otero. Famílias têm sido ameaçadas de confisco de suas casas ou perda de seus empregos, afirmam.

Otero adverte que o decreto pode vir a criminalizar e a abolir a liberdade artística, como no caso da galeria de arte El Círculo, de Lía Villares e Luis Trápaga, que sofreu um ataque no início deste ano. O festival Poesía sin fin, de Amaury Pacheco, ou o projeto Incubación, do rapper Soandry del Rio, já caíram na mira das autoridades, diz o artista.

Futuramente, o governo pode vir a rejeitar iniciativas e expressões artísticas por serem "contraculturais" ou "controversas", como acontece atualmente com o reggaeton ou como ocorreu no passado com a rumba, aponta Otero.

"Arte ruim" e "estética falsa"

O governo chama os manifestantes de "artistas" – com aspas. Um artigo da revista cultural pró-governo La Jiribilla refere-se a eles como artistas amadores que ocupam o espaço público e "ridicularizam a difícil tarefa da educação cultural".

O autor do artigo insinua que os oposicionistas são financiados a partir "do exterior" e que o decreto protegeria os "verdadeiros artistas" de "charlatões, da arte ruim e da estética falsa".

Nos últimos anos, o governo cubano proibiu a exibição de filmes e documentários polêmicos, como Santa y Andrés, de Carlos Lechuga; Quiero hacer una película, de Yimit Ramírez; ou Nadie, de Miguel Coyula.

Eventos culturais independentes, como o festival de hip hop no distrito de Alamar, em Havana, e o festival de música eletrônica na praia de Rotilla, foram suspensos.

Otero e Núñez dizem temer que, com o Decreto 349, a velha máxima da política cultural cubana extraída de um discurso do ex-presidente Fidel Castro de 1961 – "Dentro da Revolução, tudo; contra a Revolução, nada" – converta-se finalmente em lei.