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Obra "Abaporu", de Tarsila do Amaral, volta ao Brasil durante Olimpíada

"Abaporu", de Tarsila, que inaugurou o movimento antropofágico nas artes plásticas - Reprodução
"Abaporu", de Tarsila, que inaugurou o movimento antropofágico nas artes plásticas Imagem: Reprodução

Renata Jansen

Do Rio, da Deutsche Welle

03/08/2016 14h54

Exposição paralela aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro traz o famoso quadro de Tarsila do Amaral à cidade. Obra é marco fundador do Movimento Antropofágico e a pintura brasileira mais valorizada no mundo.

Considerada uma das maiores obras das artes plásticas brasileiras, "Abaporu", de Tarsila do Amaral, está de volta ao país. O quadro é a grande estrela de um dos principais eventos paralelos aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro: a exposição "A Cor do Brasil", inaugurada nesta terça-feira (2) no Museu de Arte do Rio (MAR).

A obra, de 1928, transformou-se no marco fundador do Movimento Antropofágico e num ponto alto da pintura nacional, em que a modernista Tarsila une cores e temas tipicamente brasileiros usando uma linguagem própria - que se destaca daquelas dos movimentos europeus do período. Para especialistas, o quadro promove uma importante discussão sobre a identidade nacional.

"O 'Abaporu' é o momento em que se assume com total liberdade essa vontade de fazer uma pintura nacional original e que, ao mesmo tempo, está no nível da discussão internacional do momento", diz Marcelo Campos, um dos curadores da mostra, ao lado de Paulo Herkenhoff.

O homem que come gente

Tarsila pintou o quadro de presente para o marido, o escritor Oswald de Andrade. O nome da obra foi dado por ele e pelo poeta Raul Bopp. Em tupi, "Abaporu" significa o homem que come gente.

O escritor e o poeta logo imaginaram a criação de um novo movimento cultural a partir da impactante pintura e lançaram no mesmo ano o Manifesto Antropofágico. Nele, eles propõem devorar a cultura estrangeira e regurgitá-la com características brasileiras - basicamente o que Tarsila havia feito de forma instintiva em sua obra.

Curiosamente, a pintora não esteve presente na Semana de Arte Moderna de 1922, encabeçada por Oswald e outros importantes intelectuais brasileiros, e que marcou o início do modernismo no país. Tarsila estava em Paris, buscando, justamente, uma identidade para sua pintura.

Em carta ao amigo Mário de Andrade ela se queixou da dificuldade de encontrar um caminho entre tantos movimentos artísticos. Mário respondeu, de forma certeira, que ela não deveria continuar buscando na Europa, mas sim voltar ao Brasil e criar o seu próprio "ismo", o seu próprio movimento, que ele chamou, brincando, de "matavirgismo".

Mito nacional com valor milionário

E foi exatamente isso que ela fez, mergulhando nos mitos brasileiros e buscando uma forma muito particular de expressá-los -- tão forte e tão marcante que não pode ser replicada por mais ninguém, frisa Campos.

"É claro que você consegue ver na obra influências do cubismo, do surrealismo, mas ela recodifica todas essas influências e vai buscar nos mitos nacionais os seus temas", explica o curador.

Em entrevista dada muitos anos depois da apresentação da pintura, Tarsila contou que na fazenda em que vivia quando era jovem, como uma moça da Casa Grande, ouvia os mitos e as histórias que as negras contavam. Numa dessas histórias, havia um gigante cujo corpo se desprendia em vários pedaços e depois se recompunha, só que de forma totalmente imperfeita. Ela diz que, inconscientemente, isso a teria influenciado na hora de pintar o "Abaporu".

O quadro apresenta uma figura desproporcional, com pés gigantes e uma cabeça mínima. O verde, o amarelo e o azul as cores da bandeira são os tons marcantes da pintura.

A obra não pertence ao Brasil desde 1995, quando foi comprada pelo colecionador argentino Eduardo Constantini num leilão em Nova York, por 2,5 milhões de dólares. Desde 2001, o quadro é a principal atração do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba) e só fica no Museu de Arte do Rio até 21 de agosto - data de encerramento dos Jogos Olímpicos.

Estima-se hoje que o "Abaporu" valha 40 milhões de dólares que o torna a pintura brasileira mais valorizada no mundo. Não por acaso, o quadro está protegido por um vidro grosso, a prova de balas.

Obama, Dilma Rousseff, Michelle Obama posam com obra de Tarsila em 2011 - Roberto Stuckert Filho/Presidência - Roberto Stuckert Filho/Presidência
Obama, Dilma Rousseff e Michelle Obama posam com obra de Tarsila em 2011
Imagem: Roberto Stuckert Filho/Presidência

A cor do Brasil

Embora o "Abaporu" só possa ser visto no Rio de Janeiro até o fim da Olimpíada, o restante da exposição "A Cor do Brasil" que inclui outras obras importantes de Tarsila, como Antropofagia fica no MAR até janeiro de 2017.

A mostra traça a trajetória da arte brasileira desde o período colonial até o século 21, reunindo mais de 300 peças, entre trabalhos de Di Cavalcanti, Volpi, Anita Malfatti, Guignard, Goeldi, Lasar Segall, Eliseu Visconti, Bispo do Rosário, Hélio Oiticica, Lygia Pape e Adriana Varejão.

"Acho que um estrangeiro que estiver no Rio e vier à exposição conseguirá ter uma boa ideia da arte brasileira e de seus diálogos com a arte internacional, além de poder ver de perto seus momentos ícones, como Tarsila", afirma o curador.